Bem-vindos à tribo do MOTELX

Até domingo, o Cinema São Jorge, em Lisboa, é o pólo central da 13.ª edição deste festival de cinema de terror. Uma “aldeia gaulesa” que este ano avança para lá do género com filmes como Bacurau, Midsommar, O Bar Luva Dourada ou Lords of Chaos.

Fotogaleria

Talvez a melhor maneira de definir o lugar que o MOTELX já conquistou entre a multiplicidade de festivais de cinema que actualmente pululam em Portugal seja chamar-lhe “aldeia gaulesa”. Sim, como a do Astérix, que resiste ainda e sempre ao invasor. O que pode parecer algo pateta, tendo em conta que se há género que nunca teve problemas de sobrevivência foi o cinema de terror (ainda hoje, parece ser o único capaz de resistir à monocultura dos super-heróis). Mas a verdade é que faz sentido falar de “aldeia gaulesa”, até porque o MOTELX tem tido uma invejável consistência e uma igualmente invejável solidez de audiência, com uma média de 17 mil espectadores (mais cem menos cem) entre 2015 e 2018.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Talvez a melhor maneira de definir o lugar que o MOTELX já conquistou entre a multiplicidade de festivais de cinema que actualmente pululam em Portugal seja chamar-lhe “aldeia gaulesa”. Sim, como a do Astérix, que resiste ainda e sempre ao invasor. O que pode parecer algo pateta, tendo em conta que se há género que nunca teve problemas de sobrevivência foi o cinema de terror (ainda hoje, parece ser o único capaz de resistir à monocultura dos super-heróis). Mas a verdade é que faz sentido falar de “aldeia gaulesa”, até porque o MOTELX tem tido uma invejável consistência e uma igualmente invejável solidez de audiência, com uma média de 17 mil espectadores (mais cem menos cem) entre 2015 e 2018.

Também por isso, a metáfora da aldeia gaulesa encaixa na perfeição na ideia de família, de tribo, de resistência, que reverbera de maneira inesperada na 13.ª edição, que decorre como sempre no Cinema São Jorge, desta terça-feira, dia 10, até ao próximo domingo, 15. Começa logo na abertura oficial com Ma, de Tate Taylor (terça-feira, às 21h10; quarta-feira, às 16h55), onde Octavia Spencer se torna “fada-madrinha” (sublinhemos o “madrinha”) de um grupo de adolescentes em busca de um lugar só seu. E segue pelos dois filmes-âncora do cartaz de 2019, Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e Midsommar – O Ritual, de Ari Aster, que não vêm forçosamente do cinema de género mas também não enjeitam a sua herança. Em Bacurau (terça-feira, às 18h e às 21h20), a aldeia perdida no sertão pernambucano que lhe dá título, e onde tudo se passa, é verdadeiramente a aldeia gaulesa feita corpo (com direito a poção mágica e tudo), num filme que assume a sua dívida para com o western-spaghetti e os apocalipses do cinema australiano dos anos 1970, Steven Spielberg e John CarpenterMad Max e Sergio Corbucci. Midsommar (sexta-feira, às 21h), filmado com uma solenidade entomológica e laboratorial, pinta uma remota comuna sueca como uma aldeia familiar, tribal, perdida no tempo, cujos valores parecem ser ao mesmo tempo ancestrais e modernos, alienígenas e humanos. São filmes que resistem a ser arrumados ou etiquetados numa gaveta simples – com vantagem (em nossa opinião) para o tarantiniano Bacurau (cuja estreia comercial em Portugal ainda está pendente de confirmação) do que para o esteta Midsommar (nas salas a partir de dia 26).

Midsommar leva-nos ao folk horror, a integração de práticas pagãs ou ancestrais que clássicos como O Sacrifício introduziram e do qual os espantosos A Bruxa, de Robert Eggers, ou Uma Lista a Abater, de Ben Wheatley, se tornaram faróis recentes. Será esse o tema de um debate entre o realizador de Midsommar, Ari Aster, e o escritor Howard Ingham, sob os auspícios do Miskatonic Institute of Horror Studies, colectivo de académicos e estudiosos do género (domingo, às 17h30), numa das múltiplas actividades paralelas do evento. Entre elas está igualmente a vinda a Portugal do actor Jack Taylor, regular companheiro do mestre espanhol do trash Jesús Franco (1930-2013). O americano será homenageado na sexta-feira, dia 13, às 19h, com a exibição de uma curta documental, Testigo del Fantastico, e de Necronomicon (1968), que Franco filmou em Portugal com Taylor no papel principal (e Karl Lagerfeld numa presença passageira).

Fotogaleria
DR

Mas o MOTELX também continua a incentivar a produção de cinema fantástico em Portugal. Para lá dos dez títulos a concurso na competição de curtas-metragens portuguesas, há um filme nacional entre as oito obras seleccionadas para a competição de melhor longa-metragem de terror europeia, Faz-me Companhia, de Gonçalo Almeida (sábado, às 18h30), cujo Thursday Night venceu o concurso de curtas em 2017. E o festival continua a “descobrir” filmes portugueses esquecidos ou perdidos que fazem tangentes ao género – este ano, com a média-metragem que o artista plástico Luís Noronha da Costa realizou em 1978, O Construtor de Anjos (sábado, às 17h40), e com a primeira longa de Raquel Freire, Rasganço (2001), um militante drama anti-praxe e #MeToo avant la lettre (domingo, às 17h).

Fotogaleria
DR

Na mesma linhagem inscreve-se a Carta Branca dada a João Pedro Rodrigues no âmbito do 20.º aniversário da Agência da Curta-Metragem, um programa que está a percorrer os vários festivais portugueses. O realizador de O Ornitólogo escolheu um leque de curtas-metragens nacionais que evocam o género sem nunca o assumirem a cem por cento, como “contos do imprevisto” que o formato permite. A sessão, a decorrer na quarta-feira, às 19h20, junta títulos de Jorge Silva Melo (A Felicidade), Mariana Gaivão (Solo) e Pedro Maia (Plant in My Head), e de dois cineastas infelizmente já desaparecidos, Alberto Seixas Santos (A Rapariga da Mão Morta) e Pedro Fortes (A Rapariga no Espelho).

Voltemos à “aldeia gaulesa”, ao tribalismo, à recusa das limitações do género que percorre a programação: é isso que explica a passagem pelo festival de dois títulos que insistem na dimensão “provinciana”, ensimesmada, de “bolhas” pessoais. Jonas Åkerlund, que dirigiu telediscos de Madonna e Prodigy mas também foi baterista dos Bathory, reconstitui o universo insular da tribo do black metal norueguês dos anos 1990 em Lords of Chaos (sexta-feira, às 15h50), ou como a amizade entre dois putos rebeldes noruegueses (Rory Culkin e Emory Cohen) e a sua vontade de desestabilizar da pacata Escandinávia descamba numa espiral de rivalidades macabras. E, naquele que é certamente o mais perturbante de todos os filmes que o MOTELX vai exibir este ano (a estreia comercial nas salas portuguesas será depois em Outubro), Fatih Akin reconstitui ao ponto de quase o podermos cheirar o Lumpenproletariat do bairro de Sankt Pauli, na Hamburgo dos anos 1970, para contar os verídicos e hediondos crimes do serial killer misógino Fritz Honka. O Bar Luva Dourada (quinta-feira, às 21h35) é um grand-guignol violento e mal-disposto no cruzamento improvável entre Fassbinder e Von Trier, uma experiência que não se recomenda a espectadores sensíveis. É uma bomba de fragmentação que faz detonar toda a correcção política dos debates sociais contemporâneos com uma única constatação: o mal existe. Sem precisar de fantasmas, vampiros, demónios ou alienígenas. A entrada é por aqui e a tribo está à vossa espera.

O programa completo pode ser consultado em www.motelx.org