Cancro da mama e fake news trazem 2,9 milhões de euros de bolsas europeias

O Conselho Europeu de Investigação acaba de atribuir 621 milhões de euros a 408 investigadores em início de carreira na Europa. João Conde e Joana Gonçalves de Sá foram os distinguidos em Portugal.

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Ben Nelms/Reuters

Dois cientistas em início de carreira em Portugal vão receber uma subvenção de arranque do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês). Se João Conde, do Instituto de Medicina Molecular (em Lisboa), terá 1,4 milhões de euros para desenvolver nanomateriais para o diagnóstico e terapia do cancro da mama, Joana Gonçalves de Sá, da antiga Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (em Carcavelos), receberá 1,5 milhões para perceber como as fake news se espalham e quem é mais susceptível a elas. No total, vêm para Portugal 2,9 milhões de euros.

Também quatro cientistas portugueses no estrangeiro receberam uma subvenção de arranque no valor de cerca de 1,5 milhões de euros (cada um). Cláudia Custódio, do Imperial College de Londres, vai estudar os efeitos reais na economia gerados pelas restrições financeiras que afectam as empresas, analisando empresas portuguesas e em colaboração com o Instituto Superior de Economia e Gestão e o Banco de Portugal. Noel de Miranda, do Centro Universitário Médico de Leiden (Holanda), tem um projecto para tornar a imunoterapia acessível a mais doentes com cancro. Mafalda Viana, da Universidade de Glasgow (Reino Unido), investigará a ecologia de populações de mosquitos que transmitem malária. Também a física Rebeca Ribeiro Palau, do Centro Nacional de Investigação Científica (França), recebeu uma bolsa. 

Ao todo, os cientistas portugueses, tanto que trabalham em Portugal como no estrangeiro, receberam cerca de nove milhões de euros deste último conjunto de bolsas do ERC. 

Ao todo, são 408 investigadores em início de carreira na Europa a receber estas bolsas do ERC (starting grants, ou de subvenção de arranque), integradas no programa de financiamento europeu Horizonte 2020. No total, serão distribuídos por esses cientistas 621 milhões de euros, segundo um comunicado do ERC. 

Criar um código de barras

No Instituto de Medicina Molecular (IMM), João Conde terá a missão de conhecer melhor o cancro da mama. “Sabemos que, quando um tumor aparece, este surge a partir de uma única célula que ‘enlouqueceu’ e que todos os seus mecanismos celulares e moleculares se alteraram e começou a dividir-se de forma descontrolada e dá origem a novas células que formam o tumor. O problema é que estas células são muito diferentes da célula que lhes deu origem”, explica ao PÚBLICO o cientista. “Quando olhamos para uma célula no tumor e verificamos que as células que se ‘sentam’ ao lado dessa célula são tão diferentes — a isso chamamos ‘heterogeneidade’ —, é isto que torna muito mais difícil desenvolver terapias eficazes.”

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João Conde DR

Para resolver esse problema, João Conde coordenará uma equipa que desenvolverá “(bio)nanomateriais”, nomeadamente nano-hidrogéis, para administrar moléculas directamente no tumor, segundo um comunicado do IMM. Essa estratégia permitirá desenvolver um “código de barras genético” que criará um mapa de cores da heterogeneidade tumoral e que reflectirá como é que cada célula do microambiente tumoral reage a uma terapia específica.

“Este projecto vai criar uma plataforma capaz de avaliar o nível de heterogeneidade de tumores da mama, com o fim de desenhar com maior eficácia novas terapias para o cancro da mama”, diz João Conde. Neste projecto, focar-se-á em três tipos de cancro da mama: o ductal, o lobular e o triplo-negativo (o mais difícil de tratar porque as células não expressam alguns receptores como o estrogénio e a progesterona). Ao longo do projecto, o investigador espera ainda que se descubram novos perfis de heterogeneidade do cancro da mama.

João Conde destaca ainda que esta bolsa ajudará a melhorar a forma como se vê e se trata o cancro: “Este financiamento do ERC confirma a importância de compreender como as diferentes células do microambiente tumoral respondem à terapia permitindo traçar o perfil de heterogeneidade do tumor em diferentes tipos de cancro da mama.” Além disso, reforça o papel crescente da nanomedicina para diagnóstico e terapia do cancro, que “simplifica a medicina personalizada de várias maneiras, permitindo construir materiais mais eficazes para ver melhor e tratar com mais eficiência os tumores”, reforça o investigador.

Estudar o comportamento humano

Já na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (ou Nova School of Business and Economics), Joana Gonçalves de Sá irá explorar como é que as fake news se espalham e como é que umas se tornam mais virais do que outras. “Como as pessoas passam imenso tempo online e o seu comportamento é revelado ou através das redes sociais ou das pesquisas no Google, conseguimos estudar o comportamento humano e o processo decisório de uma maneira nova”, indica a investigadora ao PÚBLICO.

A investigadora estudará então o comportamento humano através da partilha de fake news. Popularizada por Donald Trump, esta expressão refere-se a informações falsas e que, actualmente, se espalham com facilidade (em grande parte) devido às redes sociais. “Aquilo que propomos com este projecto é: tentar usar as fake news como um modelo para estudar por que é que há pessoas mais susceptíveis [a essa informação falsa] ou o que faz com que algumas fake news fiquem virais e outras não”, esclarece.

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Joana Gonçalves de Sá IGC

Através de modelos matemáticos epidemiológicos, a equipa de Joana Gonçalves de Sá começará por estudar como é que essas notícias se espalham. Ao utilizar esses modelos, a sua equipa encarará as fake news como um vírus que se espalha numa população. Esse vírus infecta certas pessoas e, por sua vez, essas pessoas infectarão outras. Por exemplo, as fake news podem ser infecciosas através de títulos mais surpreendentes e do contexto em que são partilhadas.

Depois, ao usar teorias da psicologia cognitiva e do comportamento, tentará prever por que é que há pessoas mais susceptíveis do que outras à informação falsa e como é que essas pessoas tomam a decisão de partilhar informação falsa. Por fim, através de técnicas de criptografia e computação distribuída, desenvolver-se-á um novo método que permita fazer toda a análise às pessoas de forma anónima até para os investigadores.

“Os grandes objectivos são: compreender quais são os enviesamentos cognitivos que fazem com que as pessoas prefiram fake news e, ao mesmo tempo, desenvolver uma espécie de prova de princípio em que é possível fazer este tipo de análise garantindo a privacidade das pessoas que partilham informação nas redes sociais, mesmo que tenham decidido publicá-la abertamente”, resume a cientista. A sua equipa começará a desenvolver este trabalho através de publicações no Twitter.

Com o financiamento do ERC, Joana Gonçalves de Sá vai poder contratar aproximadamente sete especialistas de diferentes áreas, como da matemática, estudos de redes sociais e da análise de dados, durante cinco anos. “Vai permitir criar uma equipa multidisciplinar”, assinala.

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