Boris Johnson lança último aviso a deputados rebeldes e deixa no ar eleições antecipadas

Primeiro-ministro britânico não ameaçou convocar eleições de forma explícita, mas alertou para as consequências de se fechar uma porta ao seu Governo nas negociações com a União Europeia.

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Boris Johnson Reuters/SIMON DAWSON

A tensão foi aumentando ao longo desta segunda-feira no Reino Unido, à medida que se aproximava a declaração ao país do primeiro-ministro, Boris Johnson, marcada para as 18h. Mas quando o momento chegou, poucos minutos depois da hora, ficou a sensação de uma ameaça não concretizada: ao contrário do que se ia lendo nos jornais britânicos, Johnson não anunciou que vai propor eleições antecipadas nos próximos dias, mas é cada vez mais claro que será esse o desfecho se o Parlamento travar, na terça-feira, a hipótese de um “Brexit” sem acordo.

Em causa está uma revolta interna no Partido Conservador, com mais de uma dezena de deputados dispostos a enfrentar o seu primeiro-ministro numa votação na terça-feira, no dia em que o Parlamento regressa de férias.

Se nada mudar nas próximas horas, é possível que os deputados da oposição e os conservadores rebeldes consigam juntar votos suficientes para forçarem o Governo a fazer duas coisas: afastar a possibilidade de um “Brexit” sem acordo com a União Europeia (UE); e forçar o primeiro-ministro a pedir um novo alargamento do prazo final para a saída do Reino Unido, de 31 de Outubro para 31 de Janeiro de 2020. Isto se o Parlamento não aprovar, até 19 de Outubro, um novo acordo com a UE – que Boris Johnson diz ser capaz de negociar com Bruxelas.

Mas não é isso que o primeiro-ministro britânico quer, e esta segunda-feira, numa declaração ao país, deixou mais uma vez claro que não aceitará pedir qualquer novo adiamento.

“Quero que toda a gente saiba que não há nenhuma circunstância que me leve a pedir a Bruxelas um adiamento. Vamos sair [da UE] no dia 31 de Outubro, sem ses nem mas”, disse Boris Johnson à porta do n.º 10 de Downing Street, a sede do Governo britânico em Londres.

Pouco antes, o primeiro-ministro tinha afirmado que está cada vez mais confiante na obtenção de um novo acordo com a UE, mas que para isso acontecer tem de chegar a Bruxelas com todas as opções em aberto.

“Eles [Bruxelas] percebem que temos uma visão clara para o futuro da nossa relação com a UE”, disse Johnson, acrescentando outra razão que o deixa confiante: que o Reino Unido está “determinado a fortalecer a sua posição preparando-se para sair aconteça o que acontecer”. Uma posição que, segundo o primeiro-ministro, será posta em causa se o Partido Trabalhista conseguir travar a saída sem acordo com a ajuda de deputados conservadores.

Mas a confiança de Boris Johnson num novo acordo com a UE não é algo que esteja a sossegar os seus críticos. Depois de três chumbos, nos tempos da primeira-ministra Theresa May, a UE tem dito que não aceitará mudar mais uma vez o acordo de saída, ainda para mais quando Johnson exige algo que é visto como inegociável em Bruxelas: o primeiro-ministro britânico não aceita a cláusula de salvaguarda que garante uma fronteira sem barreiras físicas entre as duas partes da Irlanda, e a UE só admite um acordo que tenha essa cláusula. 

Votar a 14 de Outubro?

Há algumas informações que foram conhecidas nos últimos dias e que servem para perceber melhor aquilo que Boris Johnson escolheu não dizer de forma directa esta segunda-feira – que provavelmente vai propor eleições antecipadas na quarta-feira.

No fim-de-semana, o editor de política da revista The Spectator, James Forsyth, revelou que o primeiro-ministro lançou um ultimato aos deputados do Partido Conservador que se opõem a um “Brexit” sem acordo: se votarem a favor da proposta da oposição, na terça-feira, ficarão fora das listas de candidatos a deputados na próxima eleição, perdendo a hipótese de renovarem os seus mandatos no Parlamento e de manterem alguma relevância nos destinos do país.

Como era de esperar, nem todos os rebeldes aceitaram rever a sua posição, e os jornais britânicos diziam esta segunda-feira que há entre 12 e 16 conservadores dispostos a votarem ao lado do Partido Trabalhista. Dependendo do que fizer a oposição, isso poderá ser suficiente para derrotar Boris Johnson, cujo Partido Conservador tem uma maioria no Parlamento de apenas um deputado.

“Se eles fizerem isso”, disse o primeiro-ministro esta segunda-feira, “vão cortar as pernas à posição do Reino Unido e tornar absolutamente impossível qualquer futura negociação”.

“Para mostrarmos aos nossos amigos em Bruxelas que estamos unidos no nosso propósito, os deputados devem votar com o Governo contra o adiamento sem sentido de Corbyn”, afirmou.

Por tudo isto, alguns analistas políticos dizem que o Parlamento do Reino Unido se encaminha para votar, em princípio na quarta-feira, uma moção para a convocação de eleições antecipadas a pedido do Governo. Algo que poderá acontecer no dia 14 de Outubro, segundo avançou o jornal Guardian.

“Os especialistas estão a concentrar-se muito no facto de o primeiro-ministro ter dito que não quer eleições. É claro que ele tem de dizer isso, nunca marcaria eleições esta noite. Está a posicionar-se para ser visto como alguém que é forçado a ir a eleições se a Câmara dos Comuns aprovar o adiamento do ‘Brexit’”, disse no Twitter o jornalista e apresentador do programa Politics Live, na BBC, Andrew Neil.

Uma opinião partilhada por Laura Kuenssberg, editora de política da BBC: “O primeiro-ministro disse que não quer eleições mas não vai aceitar pedir um adiamento, aconteça o que acontecer – não diz com todas as palavras, mas vai convocar eleições rapidamente se tiver de ser, em cerca de seis semanas.”

E para Matthew Goodwin, um académico britânico especialista em populismos, o discurso de Boris Johnson serviu de enquadramento para a sua estratégia: “Sublinha o seu compromisso para sair a 31 de Outubro e o desejo de concretizar um acordo, e prepara o terreno para uma campanha eleitoral com a ideia do ‘Vamos fazer isto’ contra o ‘adiamento sem sentido de Corbyn.’”

Se forem marcadas eleições antecipadas, o Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn terá pouca margem para se opor – é isso que tem defendido há meses. Mas as sondagens indicam que o Partido Conservador manteria a maioria no Parlamento, ainda que com menos deputados do que actualmente – ainda assim suficiente para manter a situação tal como está, incerta e com todas as opções de saída em cima da mesa.

É por isso que o antigo primeiro-ministro Tony Blair, do Partido Trabalhista, aconselhou esta segunda-feira Jeremy Corbyn a tentar bloquear um “Brexit” sem acordo e a votar contra a convocação de eleições antecipadas, a que chama uma “armadilha” montada por Boris Johnson. O melhor para Corbyn, diz Blair, é que ele mantenha a sua posição contra uma saída sem acordo e que depois beneficie disso em eleições a realizar depois de o “Brexit” ficar decidido, seja num cenário de acordo com a UE, seja num cenário, muito menos provável, de um segundo referendo.

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