O mapa mais detalhado de sempre da nossa galáxia mostra que ela não é plana

Todas as noites, um grupo de cientistas polacos monitoriza a luminosidade de milhares de milhões de estrelas da Via Láctea. Há umas especiais: chamam-se cefeidas, são as mais brilhantes e ajudam no cálculo de distâncias — ao estudar mais de 2400 delas, os cientistas perceberam que a nossa galáxia não é tão plana como se pensava.

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Imagem da distorção nas extremidades da galáxia. Os pontos a verde correspondem às estrelas Cefeidas. O sol na imagem corresponde à posição do nosso Sistema Solar J. Skowron/OGLE

Afinal, a nossa galáxia não tem a forma de um disco plano, mas sim de um disco com as pontas “distorcidas” numa espécie de “S” deitado. É esta a conclusão de um estudo feito por um conjunto de cientistas polacos publicado nesta sexta-feira na revista científica Science e que corresponde ao mapa 3D da Via Láctea com mais detalhe e precisão feito até hoje. E é mais um passo para entendermos melhor a nossa casa galáctica, que consiste num núcleo envolvido por um disco gigantesco de gás, poeiras, planetas e estrelas com quatro grandes braços em forma de espiral.

A investigadora polaca e autora do estudo Dorota Skowron explica ao PÚBLICO que se aperceberam do formato disforme da galáxia depois de observarem mais de 2400 estrelas variáveis supergigantes chamadas cefeidas, “ideais” para estudar a Via Láctea. São mais brilhantes do que o Sol (100 a 10 mil vezes mais luminosas), o que faz com que sejam mais facilmente identificáveis nos “subúrbios” da galáxia. Como são “novas” (têm menos de 300 milhões de anos), podem ser encontradas perto do sítio onde nasceram.

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Estrutura 3D da Via Láctea com base nas mais de 2400 cefeidas analisadas Jan Skowron/OGLE

Juntando a isso e ao seu brilho aparente a análise do seu período de pulsação, é possível medir distâncias directas “com elevada precisão”. Aquilo que se sabe sobre o formato da nossa galáxia é conseguido não só através da análise deste tipo de medidas indirectas, mas também através da extrapolação de estruturas observadas noutras galáxias.

O grupo de astrónomos da Universidade de Varsóvia e do Observatório Astronómico de Varsóvia conseguiu localizar estas estrelas através da Experiência Óptica de Lentes Gravitacionais (OGLE, na sigla em inglês) usando o Telescópio Varsóvia, localizado nos Andes do Chile. “Todas as noites monitorizamos a luminosidade de milhares de milhões de estrelas por toda a Via Láctea”, conta a astrónoma polaca. Ainda assim, e mesmo conseguindo-se retratar quase toda a galáxia, “há partes que não ficam acessíveis ao telescópio por duas razões: uma é que o telescópio está localizado no hemisfério Sul e a outra é que não se consegue observar através das nuvens densas de poeira no centro galáctico”, explica.

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O Telescópio Varsóvia e a Via Láctea: os pontinhos amarelos são as estrelas cefeidas K. Ulaczyk /J. Skowron/OGLE

Dorota Skowron refere ainda que, além de não ser plana, a Via Láctea é um disco estrelar com espessura variável: mais fina no centro e mais larga nas periferias. “Expande-se quanto mais se afasta do centro galáctico. O disco tem uma grossura de cerca de 500 anos-luz perto do nosso Sol; nas extremidades, a espessura do disco ultrapassa os 3000 anos-luz.” A “distorção” mencionada no estudo começa a notar-se a partir de distâncias superiores a 25 mil anos-luz do centro galáctico.

O nosso Sol fica a cerca de 27 mil anos-luz do centro e é apenas mais uma estrela das mais de 100 mil milhões que existem na nossa galáxia (as estimativas variam entre os 100 mil e as 400 mil), e a Via Láctea é apenas mais uma de inúmeras galáxias neste Universo que surgiu há cerca de 13.800 milhões de anos, no Big Bang. E é enorme: de uma ponta à outra da Via Láctea, há uma distância de cerca de 120 mil anos-luz – o que significa que demorar-se-ia cerca de 120 mil anos a viajar à velocidade da luz de uma ponta à outra.

Já em Fevereiro, um estudo de cientistas australianos e chineses que estudava estas estrelas cefeidas dava a entender que a Via Láctea não era plana, apontando como causa para as suas extremidades retorcidas a força rotacional do disco interno. Agora, a investigadora Dorota Skowron diz ao PÚBLICO que “não têm certezas” sobre o que pode causar esta distorção, mas que pode ter sido originada pelas “interacções com galáxias-satélite” ou então devido às “interacções com gás intergaláctico ou matéria escura”.

No ano passado, foi divulgado um mapa 3D da Via Láctea que era, também, um gigantesco catálogo – que envolveu uma equipa de oito investigadores portugueses – feito com base nas informações obtidas pelo satélite Gaia, que incluía a posição e o brilho de quase 1700 milhões de estrelas, a maior parte delas na Via Láctea. “O entortamento do disco galáctico já tinha sido detectado antes, mas esta é a primeira vez que usamos objectos individuais para traçar a sua forma em 3D”, esclarece em comunicado outro dos autores do estudo, Przemek Mroz.

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