Da Weasel, Rei Leão e Stranger Things: nostalgia ou horror?

O que é que um remake manhoso, um comeback de consolas e uma série revivalista de pseudo-terror juvenil tem em comum com a nossa realidade?

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Era tudo quando ela me dizia,
"Bem-vindo a casa”, numa voz bem calma.
Acabado de entrar, pensava como reconforta a alma.

Da Weasel ft. Manuel Cruz — Casa (Vem fazer de conta)

O Rei Leão está de volta ao cinema, 25 anos depois da sua estreia. Outrora uma fábula “Shakespeareana” para a eternidade, hoje uma versão ecoponto amarelo com as vozes de Donald Glover e Beyoncé a tentar compensar a falta de originalidade.

A Playstation Classic, a Nintendo Classic Mini e a SEGA Mega Drive Mini estão a vender mais unidades do que as consolas de nova geração, duas e três décadas depois dos respectivos lançamentos. Outrora um motivo de entusiasmo da petizada, hoje só entusiasmam homens e mulheres sisudos, cujo ordenado só tem um objectivo: relembrá-los de quando eram realmente felizes.

A terceira temporada de Stranger Things leva os 40.7 milhões de espectadores até 1985, há 34 anos. Outrora uma época marcada pelo “Reaganismo”, hoje é servida como um manjar temperado por néons, synthwave e Dungeons & Dragons.

E o que é que um remake manhoso, um comeback de consolas e uma série revivalista de pseudo-terror juvenil tem em comum com a nossa realidade?

Como escreve Myke Bartlett em ​Rose-coloured rear-view: Stranger things and the lure of a false past, “Stranger Things é um exemplo de como usamos a nostalgia para fazer sentido do presente (...) ou simplesmente para escapar aos seus horrores”, numa referência descaradamente roubada da youtuber Lindsay Ellis.

Os Da Weasel e os Ornatos Violeta estão de volta depois de (praticamente) dez anos de hiato. Outrora putos poetas cheios de ganas para “fazer a puta da revolução”, hoje uma Infinity Gauntlet da música portuguesa. As vozes máximas de uma geração que nunca se prendeu a rótulos: musicais ou sociais.

Variações estará nos cinemas, 35 anos depois da morte do cantautor e 15 anos depois do realizador João Maia ter começado a ressuscitá-lo. Outrora ostracizado, hoje as suas palavras são entoadas, qual prece religiosa dos incompreendidos e desapaixonados.

Nuno Markl levou-nos até 1986, usando o pano de fundo das eleições Freitas versus Soares para marinar uma espécie de Romeu e Julieta com referências à cultura pop da década titular.

A questão que me intriga não é tanto o factor humano da criação, porque os ciclos de referências sempre existiram com a diferença entre cada um a demorar 25 a 40 anos. A criança norte-americana dos anos 50 chega aos anos 70-80 enquanto realizador. O que cria? Back to the Future, American Graffiti e Grease.

Isso quer dizer que a minha geração vai, provavelmente, realizar biografias do Angélico e do Francisco Adam, escrever romances passados durante o Euro 2004 e enfiar referências a Yugi-oh! e Pokémon em tudo o que é séries.

Não me interessa a cor do papel de parede: interessa-me o que estamos a tentar esconder com ele. Interessa-me que falemos sobre o que vai acontecer à casa se não resolvermos o problema que estamos a tentar esconder. Interessa-me que o papel de parede ajude a pensar nisso em vez de o fazer esquecer.

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