Empresa reclama posse de terreno “municipal” junto à Ribeira da Granja, no Porto

Requerimentos recentes de uma empresa de Braga levaram Rui Moreira a pedir auditoria ao processo de integração no património municipal de terreno que esteve quase a ser permutado com outro privado

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Goncalo Dias

Uma sociedade em insolvência, a Imocapei II, reclama ser dona da parcela de quase 1500 metros quadrados junto à Ribeira de Grijó que a Câmara do Porto pretendia entregar a uma outra empresa, no âmbito do licenciamento de um empreendimento urbanístico. Rui Moreira apercebeu-se, na segunda-feira, que o terreno em causa não está registado em nome da autarquia, e por isso pediu a retirada da proposta de desafectação da mesma da ordem de trabalhos da Assembleia Municipal. E solicitou uma auditoria a este imbróglio. 

O terreno em causa situa-se na margem da Ribeira da Granja, na Rua de São João do Porto, já no cruzamento com a Rua de Grijó, e, supostamente, teria sido destacado, por cedência à autarquia, da operação urbanística que originou a construção de um prédio, do outro lado da rua. Para a Câmara do Porto, não havia dúvida de a parcela seria propriedade municipal e, sendo assim, ela ia agora ser retirada do domínio público do município, para poder ser permutado com uma sociedade do Banco Popular Espanhol, a Consulteam.

A cedência deste terreno tinha sido colocada como condição, pelo vereador do urbanismo Ricardo Figueiredo, para a aprovação, nesta margem da ribeira, de um empreendimento. O processo, cujo licenciamento se encontrava suspenso após dúvidas, suscitadas em 2009 pelo vereador Lino Ferreira, ainda no consulado de Rui Rio, chegou às mãos da Consulteam pouco depois, após a insolvência do primeiro proponente. 

Câmara votou cedência por unanimidade

Desde 2012 que esta sociedade vem insistindo na necessidade de se fazer a referida desafectação e permuta, sem a qual não conseguiria avançar com o licenciamento pretendido. Além disso, parte do terreno que esta sociedade detinha naquela zona fora já usado, pela autarquia, para rasgar um troço da Rua de São João que continua encerrado ao trânsito por não ter passado, ainda, para o domínio municipal. Ou seja, a edilidade fez obras num espaço que ainda não lhe pertencia. 

A proposta acabou por ir finalmente à reunião de Câmara a 28 de Junho, e foi aprovada por unanimidade, desconhecendo, a vereação que, para além de permitir a abertura do arruamento em causa, esta troca de terrenos iria abrir a porta a um processo urbanístico ilegal à luz do actual Plano Director Municipal, e só possível ao abrigo do respectivo artigo 3, que consagra excepções para os designados - e tantas vezes polémicos - “Direitos adquiridos”. A obra prevista tem um índice de construção por metro quadrado de 1,3, contra os 0,8 previstos no PDM desde 2006. E o Pedido de Informação Prévia validado em 2002 nunca foi posto em causa, apesar de, por exemplo, ter sido detectada, em 2009, uma discrepância de mais de mil metros quadrados na parcela alvo da operação.

Nada disto seria, a 28 de Junho, do conhecimento de Rui Moreira. Que, num primeiro momento, há uma semana, aceitou que a confirmação desta desafectação da parcela do domínio municipal fosse adiada, na Assembleia Municipal, quando o bloquista Pedro Lourenço e o comunista Rui Sá levantaram questões sobre o impacto do projecto que iria ser viabilizado com aquele acto numa zona onde a ribeira da Granja ainda corre a céu aberto.

Segurança jurídica da decisão foi abalada

Já esta semana, em nova reunião da AM, o autarca voltou a pedir a retirada deste ponto invocando, desta vez, “factos supervenientes”. Que nada têm que ver, contudo, com as dúvidas que BE e CDU levantam sobre a validade dos “direitos adquiridos”. Essa vai ser analisada pelos serviços jurídicos, a pedido do vereador do Urbanismo, Pedro Baganha, como o próprio explicou ao PÚBLICO já após a assembleia.

E que factos supervenientes que “abalaram a certeza jurídica” das decisões tomadas eram, então, estes? Esta terça-feira, Moreira enviou aos vereadores, e ao presidente da assembleia, para conhecimento dos diferentes partidos nela representados, o despacho em que determina a auditoria interna ao processo que levou à integração da parcela de 1481 metros quadrados no domínio público do município. Uma investigação suscitada pelo embaraço de ter percebido que a parcela está a ser insistentemente reclamada por uma sociedade insolvente. 

Explica Rui Moreira no despacho que a Imocapei II – devedora de várias pessoas e empresas ligadas ao antigo presidente do Sporting Clube de Braga João Gomes Oliveira – enviou à autarquia um primeiro requerimento a 27 de Maio e insistiu, a 3 de Julho, depois de ter tido como primeira resposta que “a área em causa é efectivamente municipal, faltando apenas o respectivo registo”. Ora, perante a insistência do administrador de Insolvência da empresa, nesta segunda-feira, precisamente, a Divisão Municipal de Cadastro e Inventário pediu aos serviços jurídicos a emissão de um parecer sobre esta matéria.

Moreira deu duas semanas para que esta situação fosse auditada, e caso sejam apuradas circunstâncias relevantes, determina que as conclusões sejam comunicadas ao Ministério Público. Mas, para já, e perante a falta de um esclarecimento inequívoco sobre a efectiva titularidade do terreno, vai mesmo levar a votação, na reunião de Câmara da próxima segunda-feira, a revogação da decisão, unânime, de desafectar a parcela, tomada a 28 de Junho. 

A menos que se prove que o terreno é, de facto privado e não municipal, nada disto põe definitivamente em causa o projecto urbanístico que a Consulteam deseja ver licenciado naquela zona. E é essa, para já, a maior preocupação do BE e da CDU, que depois de consultarem o processo urbanístico defendem que a câmara deve contestar a existência de direitos adquiridos e comprar ou expropriar a área onde foi construída a rua que permanece encerrada.

 
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