Moreira manda auditar processo urbanístico junto à ribeira da Granja, no Porto

Depois das dúvidas levantadas pela CDU e pelo BE, autarca terá tido conhecimento, na segunda-feira, de “factos” que põem em causa a segurança jurídica das decisões tomadas relativamente a um processo baseado em “direitos adquiridos” e que hoje violaria o PDM.

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Empresa reclama direito a construir na margem direita da Ribeira da Granja Gonçalo Dias

A Câmara do Porto vai congelar, pelo menos durante mais algum tempo, as pretensões de uma empresa detida pelos espanhóis do Banco Popular Espanhol de construir um prédio nas margens da ribeira da Granja, junto à Rua de Grijó. “Factos supervenientes”, que chegaram ao conhecimento do executivo municipal esta segunda-feira, levaram o autarca Rui Moreira a pôr um travão no processo, e a ordenar até uma auditoria a esta operação. Para já, na próxima semana os vereadores serão chamados a reverter a decisão, unânime, de desafectar uma parcela de terreno municipal, desafectação essa sem a qual o licenciamento fica posto em causa.

A desafectação de uma parcela de 1400 metros quadrados do domínio público municipal e a sua posterior permuta com a empresa Consulteam é, como o PÚBLICO explicou na segunda-feira, condição fundamental para a aprovação de um pedido de licenciamento para a construção de um prédio, desde que assim fora decidido pelo vereador Ricardo Figueiredo, que tinha a pasta do Urbanismo em 2002, no primeiro mandato de Rui Rio. Apertado com o facto de o município já ter, há anos, construído uma rua, ainda fechada ao trânsito, junto a estes terrenos, numa área pertencente a esta empresa, o actual titular desta pasta desencadeou os passos para a permuta, com o objectivo de abrir o arruamento, mas o que conseguiu afinal, com essa decisão, foi abrir uma caixa de Pandora.

Valeu, na assembleia municipal, a atenção do bloquista Pedro Lourenço e do comunista Rui Sá – um antigo vereador do Ambiente de Rui Rio que há 17 anos viu este e outros projectos urbanísticos sepultarem em promessas de mais betão a possibilidade de uma requalificação da ribeira da Granja, naquela zona. As dúvidas de ambos sobre o real impacto de uma aparentemente inócua desafectação de uma parcela municipal levaram Rui Moreira a propor, há uma semana, que a votação neste órgão fosse adiada, para que quem assim o entendesse pudesse consultar o processo. E nesta segunda-feira, após ter ficado a saber de factos que não quis, para já, revelar, o autarca assumiu que “perdeu a segurança jurídica” na decisão tomada, pretendendo que o procedimento relativo a esta desafectação, e consequente permuta, seja auditado. 

Gato escaldado...

Tal como acontece na escarpa junto à Ponte da Arrábida e noutros empreendimentos polémicos, em causa estão alegados direitos adquiridos, passados pela anterior proprietária daqueles terrenos aos seus actuais detentores, na sequência de um processo de insolvência. Em resposta a um pedido de informação prévia de 2001 – ainda do consulado de Nuno Cardoso – a câmara haveria de fixar, em 2002, a hipótese de construção de um prédio com vários andares, com um índice bem superior ao que o PDM, aprovado depois em 2006, haveria de permitir para o local. Nem o facto de o terreno ser, afinal, menor do que o indicado inicialmente e de o titular do urbanismo em 2009, Lino Ferreira, se ter recusado a licenciar o projecto, fez caducar este licenciamento. Este ficou suspenso até aos dias de hoje e desde 2012 os novos donos vêm insistindo na necessidade de se avançar com a permuta.

Bloco e CDU, cujos deputados se deram ao trabalho de ir ler o processo urbanístico, consideram que este é um daqueles casos em que não há, na verdade, “direito adquirido nenhum”. Menos certo, até ver, que os dois deputados da oposição, o vereador do Urbanismo assumiu, no entanto, ter dúvidas de que, de facto, esse direito possa ser invocado neste caso. Escaldado com o desenvolvimento e as polémicas em torno de processos herdados de executivos anteriores – alguns deles contestados judicialmente e na mira, por exemplo, da Inspecção-Geral de Finanças – Pedro Baganha revelou ao PÚBLICO, após a assembleia da noite de segunda-feira, que já nesta terça-feira iria pedir aos serviços jurídicos que avaliem se as decisões passadas o obrigam a ter de deixar violar o PDM em vigor junto à ribeira da Granja. 

Pedro Lourenço, na curta intervenção que lhe foi permitida para abordar um ponto que deixara de estar na ordem de trabalhos da assembleia, sugeriu à câmara que avaliasse a “segurança jurídica” de outras decisões antigas que prometem enxamear de “mamarrachos”, como há meses escreveu Rui Sá, aquela zona do nó de Ciríaco Cardoso da Via de Cintura Interna. E, no final da reunião, deixou no ar, em declarações ao PÚBLICO, uma outra proposta: sugeriu que o executivo mande auditar estes “direitos adquiridos” ou até, de preferência, que avalie juridicamente a lista de 24 casos em que estes estão a ser invocados, em vários pontos da cidade, para permitir construções que não seriam aprovadas à luz do actual plano director municipal. 

Quem também ficou satisfeita – e surpreendida – com o actual desenvolvimento esta história foi Ilda Figueiredo. À saída desta sessão da assembleia municipal, a vereadora comunista assumiu que votara, na câmara, a desafectação da parcela que permitiria dar seguimento ao processo urbanístico sem se aperceber desta consequência. A vereadora eleita pela CDU admite que nem Rui Moreira nem Pedro Baganha tivessem total consciência das implicações da decisão, mas garante que, para o resto do mandato, aprendeu a lição, e exigirá informação detalhada do real impacto de cada proposta deste género que chegar à agenda das reuniões. 

Para a semana talvez se perceba melhor que “factos supervenientes” fizeram o autarca independente recuar, e que, explicou Pedro Baganha ao PÚBLICO, nem são sequer os elementos “factuais” do processo descritos por Pedro Lourenço e divulgados pelo PÚBLICO nesta segunda-feira. Em todo o caso, no entender de Rui Sá, a assembleia municipal merece desde já “ser congratulada por estar a cumprir o seu papel de órgão fiscalizador” do executivo. 

 
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