Câmara do Porto abre caminho a mais uma herança urbanística polémica

Permuta de terreno municipal perto da Rua de Grijó é condição para licenciamento de prédio com índices de construção acima do previsto no actual PDM, calculados com base em direitos adquiridos.

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Novas construções vão surgir na margem direita da Ribeira da Granja Gonçalo Dias

A assembleia municipal do Porto vota, na sessão agendada para a noite desta segunda-feira, a desafectação do domínio público municipal de uma parcela de terreno junto à Rua de Grijó que abre caminho à concretização de mais um projecto que chegou aos serviços municipais ainda no mandato de Nuno Cardoso. O projecto violaria os índices de construção previstos para o local no actual Plano Director Municipal, mas tem, como no caso da escarpa da Arrábida, via aberta por causa de direitos adquiridos. Direitos que o Bloco de Esquerda considera “de grande fragilidade”.

O primeiro Pedido de Informação Prévia (PIP) para urbanização de uma área de 16 mil metros quadrados na margem direita da Ribeira da Granja deu entrada em 1998. Foi, à semelhança de um segundo pedido, posterior, indeferido. Um terceiro chegou à câmara no último ano do mandato do independente eleito pelo PS e viria a ser aprovado já em 2002, pelo primeiro vereador do Urbanismo de Rui Rio, o arquitecto Ricardo Figueiredo, condicionado a uma permuta de terrenos que incluía a cedência ao promotor da viela de Grijó, integrada no domínio público municipal.

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Rua que o município já construiu em terrenos do investidor privado Gonçalo Dias

A história é tão longa que os seus protagonistas iniciais já saíram de cena, após insolvência, para dar lugar, desde 2012, a uma empresa do Banco Popular Espanhol. Entidade que espera, há sete anos, pela desafectação e cedência de terrenos municipais, num total de 1400 metros quadrados, para avançar com o licenciamento de um empreendimento no local. Mas a perspectiva de ver nascer mais um prédio, numa zona próxima de um importante afluente do Douro desagrada ao Bloco de Esquerda, que depois de uma consulta ao processo urbanístico, entende que a Câmara do Porto tem margem para não aprovar o empreendimento.

Na última reunião da assembleia municipal, e antes da desafectação da parcela municipal ter sido adiada, a pedido do BE, o vereador do Urbanismo, Pedro Baganha, explicou que o que está em causa, nesta situação, é apenas a abertura da Rua de Delfim Pereira, já construída em terrenos que pertencem aos espanhóis, e que liga a Rua de Serralves à Rua de São João do Porto. Mas o BE, pela voz de Pedro Lourenço, insistiu que a permuta deste terreno camarário é o passo que falta para o licenciamento, suspenso desde 2010, de um prédio, com implicações nas margens da ribeira que, naquele lugar, chega a formar uma cascata, descendo em direcção a um antigo mosteiro em ruínas.

Pedro Lourenço explicou ao PÚBLICO que o PIP que fora aprovado em 2002 deu origem a um projecto que chegou a ser chumbado ainda nos mandatos de Rui Rio, em 2009, pelo vereador Lino Ferreira, após se ter detectado que o terreno, em vez de 16 mil metros quadrados, tinha uma área inferior a 15 mil. Essa desconformidade afectava o cálculo da área bruta de construção, que estava a ser feito pelo índice 1,3 (Relação entre a área de construção e a área de terreno que serve de base à operação) previstas nas Normas Provisórias em vigor em 2002 e não pelo índice 0,8 inscrito já no PDM de 2006, então em vigor.

Após contestação dos interessados, que alegaram o risco de insolvência perante a demora no negócio, esta decisão do vereador não levou a que fosse declarada a caducidade do licenciamento, mas apenas à sua suspensão, até hoje. Uma suspensão baseada na necessidade de se fazer a permuta de terrenos, o que implicava a desafectação da parcela do domínio municipal que é votada esta noite.

Projecto para as margens da Ribeira caiu

Perante os dados que recolheu, o Bloco de Esquerda defende que o município poderia, neste caso, reverter os direitos adquiridos, assumindo a invalidade do PIP em que estes se baseiam. Pedro Lourenço argumenta que a área ocupada pela rua já construída pode ser comprada ao privado, e propõe que o espaço envolvente à ribeira seja requalificado como área verde. Parece-nos “de grande fragilidade” este direito adquirido, nota, acrescentando que, no limite, a área de construção a permitir deveria ser revista à luz do actual PDM.

No projecto original, o promotor previa a entrega de mais de 8700 metros quadrados, na parte inferior do vale por onde passa a ribeira, para uso colectivo e público, e o Bloco de Esquerda pretende ver esclarecidas todas áreas em causa, no licenciamento que corre na câmara, e o seu estatuto. No início do milénio, o vereador do Ambiente do executivo de Rui Rio, o comunista Rui Sá, chegou a propor um plano de valorização das margens da ribeira da Granja em vários pontos desta zona da cidade, encostada ao Nó de Ciríaco Cardoso da VCI. Mas o actual deputado municipal da CDU viu as suas intenções goradas logo no seu primeiro ano de mandato. 

O comunista, que em Outubro, num texto publicado na sua coluna de opinião no Jornal de Notícias, alertava, em título, que “vêm aí mais mamarrachos” para esta zona da cidade, pretende, também por isso, consultar o processo urbanístico associado à votação desta segunda-feira. Nesse artigo, Rui Sá lembrava que seu plano morrera à nascença, com a aprovação, em Julho de 2002, de um projecto de um hotel a dez metros do leito da ribeira, no lado aposto ao da Rua de Grijó. Um projecto que era urgente, por causa do Euro 2004, mas que ainda não chegou a ser concretizado.

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