Segurança Social, “o grande salto em frente”: de beneficiário a cidadão

Num tempo em que se exige uma discussão séria sobre o nosso “Estado Social”, os resultados do inquérito da OCDE dão-nos algumas “pistas” sobre o caminho que teremos de percorrer.

De acordo com a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 janeiro), o sistema da segurança social não é uma matéria que diga apenas respeito ao Estado, cabendo aos diversos interessados um papel na “definição, no planeamento e gestão do sistema e no acompanhamento e avaliação do seu funcionamento” (Artigo 18.º – Princípio da participação).

Daqui resulta que o desenho das políticas sociais em matéria de segurança social deveria, por princípio, resultar de um processo participativo dos diversos agentes da sociedade portuguesa, em particular daqueles que são a base do sistema: os cidadãos.

Neste contexto, o conhecimento daquela que é a visão dos cidadãos relativamente ao atual modelo de proteção social apresenta-se como elemento basilar num qualquer processo de discussão futura sobre a arquitetura do mesmo.

Para conhecer essa visão dos cidadãos – visão do “lado de cá” –, a OCDE realizou um inquérito em 2018 (OECD Risks That Matter), o qual nos permite traçar um perfil interessante, quiçá surpreendente, sobre a perspetiva dos cidadãos portugueses relativamente ao sistema de proteção social em Portugal.

De acordo com o inquérito, cerca de 61,2% dos portugueses consideram que o Estado não lhes garante facilmente os apoios necessários nas situações de vulnerabilidade (média da OCDE 55,9%), sendo que 74,1% entendem ainda que não recebem os benefícios que merecem em função dos impostos que pagam (média da OCDE 58,8%). Contudo, uma larga maioria (88,2%) entende que uma parte significativa da população recebe benefícios sociais sem os merecer (média da OCDE 66,6%), sendo que 79,7% consideram que se deveriam taxar mais os ricos para apoiar os pobres (média da OCDE 67,8%).

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Resumidamente, e em linguagem “comum”, uma larga maioria dos portugueses considera-se inadequadamente protegido pelo “Estado Social” face aos impostos que pagam, mas essa “injustiça” não se estende a todos os restantes cidadãos, uma vez que parte desses (“os outros”) recebem injustamente benefícios de proteção social “sem os merecer”. Para a maioria, a solução é cobrar mais impostos aos “ricos”.

Por outro lado, e no que respeita à ação do governo, cerca de 70% dos inquiridos considera que o governo não tem em consideração a perspetiva dos cidadãos aquando da formulação das políticas sociais (média da OCDE 61,1%), tal como preconizado pela Lei de Bases da Segurança Social.

Num tempo em que se exige uma discussão séria sobre o nosso “Estado Social”, os resultados do inquérito da OCDE apresentam grande utilidade na medida em que nos permitem retirar algumas “pistas” sobre o caminho que teremos de percorrer.

Em primeiro lugar, os resultados do inquérito permitem-nos obter uma perceção sobre a situação atual do sistema de proteção social que, sendo muitas vezes iníquo e injusto, “pagando a quem (e quando) não deve e não pagando a quem (e quando) deve”, apresenta tão elevada despesa para tão fracos resultados. 

Em segundo lugar, a leitura generalizada de que o sistema de proteção social “não me protege adequadamente e protege o outro que não deve ser protegido” obriga a um esforço significativo ao nível da educação cívica, através do qual se procure explicar a natureza do sistema e as suas diversas componentes, bem como as suas fontes de financiamento e a relação entre o esforço contributivo de cada um e os benefícios obtidos (neste sentido, é importante não esquecer que mais de 50% da população não está sujeita ao pagamento de impostos em sede de IRS e que cerca de 65% das receitas do sistema de segurança social estão “indexadas” ao fator trabalho).

Por fim, o inquérito, ao revelar que os cidadãos não se sentem representados pelos seus governantes em matérias de políticas sociais, torna urgente a necessidade de envolver a sociedade civil na construção de novas soluções de proteção social que, simultaneamente, assegurem uma proteção adequada dos riscos tradicionais e que tenham capacidade de responder aos novos riscos sociais.

Em conclusão, os resultados do inquérito, para além de reforçarem a necessidade de se promover a educação cívica em matérias de proteção social e de se reformar o sistema de proteção social, apelam claramente ao envolvimento da sociedade civil em todo este processo.

Estou certo que se este caminho for percorrido, será possível transformar um modelo de segurança social assente na ideia de beneficiário (agente passivo) num modelo centrado no cidadão (agente ativo), permitindo desta forma, sem conotações com outros momentos históricos e outras geografias, dar um “grande salto em frente”.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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