Só quando Merkel ceder haverá novos dirigentes nas instituições de Bruxelas

Conselho Europeu terminou como começou, com posições desencontradas em relação ao processo de selecção dos cargos de topo das instituições europeias. Sob pressão do calendário, líderes têm dez dias para acertar a fórmula de distribuição dos lugares.

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Angela Merkel Reuters

As divergências entre os líderes europeus responsáveis pela nomeação do próximo (ou próxima) presidente da Comissão Europeia ainda são tão profundas, que no fim do jantar em que discutiram a distribuição dos lugares de topo das instituições europeias os 28 chefes de Estado e governo nem sequer se entendiam sobre o processo de selecção. O que os impediu de começar a negociar os nomes que podem ser chamados a preencher os cargos de presidente do Parlamento, do Conselho, da Comissão Europeia e Alto Representante para a Política Externa da União Europeia.

O modelo dos chamados cabeça de lista (ou Spitzenkandidaten) que foram avançados pelas diferentes famílias políticas na campanha eleitoral como candidatos à presidência da Comissão Europeia foi sendo morto e ressuscitado pelos líderes em declarações e considerações desencontradas sobre a oportunidade, facilidade e utilidade de respeitar esse processo que o Parlamento Europeu tem interesse em perpetuar — e que conta, desde o início, com um opositor de peso: o Presidente francês, Emmanuel Macron.

“Paira no ar esta intenção do Parlamento de se substituir ao Conselho nas suas funções”, criticou Macron, que se mostrou “totalmente” de acordo que os líderes “respeitem as competências e a missão do Parlamento”, desde que isso não signifique “eximir-se de cumprir as suas funções”. Como lembrou o Presidente francês, e outros, os tratados são muito claros ao atribuir a responsabilidade pela nomeação do presidente da Comissão aos chefes de Estado e governo representados no Conselho. 

No final, ficou tudo na mesma — o que levou o primeiro-ministro português, António Costa, a confessar que “o insucesso do Conselho em tomar decisões que são urgentes para a designação [dos lugares] para o próximo ciclo político” lhe deixara um amargo de boca. 

Adiamentos e incertezas

As decisões foram adiadas e a incerteza mantém-se pelo menos até ao fim de Junho, com uma parte dos líderes a lamentar que o processo tenha regressado ao ponto de partida e alguns a defender que já não vale a pena continuar a insistir numa fórmula condenada ao fracasso. “Nenhum dos actuais candidatos tem uma maioria agora, e não creio que nenhum deles vá ter uma maioria na próxima semana”, estimou o primeiro-ministro eslovaco, Peter Pellegrini.

Na cimeira extraordinária que marcaram para voltar ao tema, no próximo dia 30 de Junho, os líderes voltarão a referir-se aos Spitzenkandidaten — nessa altura provavelmente para pôr definitivamente uma pedra sobre o assunto. Desta vez, apenas ficou evidente que a pretensão de Manfred Weber, o nome lançado pelo Partido Popular Europeu para suceder a Jean-Claude Juncker à frente do executivo comunitário, não reúne os apoios necessários, nem no Conselho nem no Parlamento Europeu, para ser eleito para o cargo.

Os negociadores que representam as outras duas famílias políticas com aspirações aos cargos de topo — a dupla ibérica António Costa e Pedro Sanchéz, em nome dos socialistas, e o par de liberais do Benelux, Mark Rutte e Charles Michel — até estariam dispostos a conceder que a presidência da Comissão continuasse nas mãos do PPE, que é de novo a maior bancada no Parlamento, desde que não fosse entregue a Weber. O melhor a que o eurodeputado alemão poderá aspirar para mudar para o Berlaymont é a nomeação para comissário pelo seu país, segundo fontes diplomáticas.

“Esta situação representa um desafio”, admitiu a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, cuja defesa do candidato que pertence ao partido irmão da CDU na Baviera é vista como um empecilho para o progresso das negociações entre os diferentes grupos. Depois de ouvir as posições dos restantes líderes, e confrontada com a rejeição oficial da candidatura de Weber pelas bancadas dos socialistas e liberais no Parlamento (que emitiram um comunicado a informar que votariam contra a nomeação do conservador alemão), Merkel já não foi tão firme no seu apoio a Weber. “Não queremos uma crise com o Parlamento Europeu”, declarou.

Mas a declaração mais importante de Angela Merkel surgiu já à partida de Bruxelas, quando questionada por um jornalista sobre o seu desacordo com Emmanuel Macron, a chanceler da Alemanha ripostou que a sua avaliação do processo é “exactamente a mesma do Presidente francês”.

Segundo várias fontes, para desbloquear o impasse será preciso que Angela Merkel e o PPE revejam a sua postura de intransigência em relação à candidatura de Manfred Weber e aceitem engajar-se nas negociações de forma pragmática e construtiva. Enquanto continuarem a repetir que o seu objectivo é instalar o seu cabeça de lista na presidência da Comissão, continuarão a receber como eco a mesma resposta dos outros grupos políticos: os socialistas insistirão que o candidato certo para o cargo é o holandês Frans Timmermans e os liberais (menos Macron) manterão a sua aposta na dinamarquesa Margrethe Vestager, que preenche os critérios de equilíbrio de género, demográfico e regional com que todos se comprometeram.

Desistir de todos

A única saída possível parece ser abdicar de todos estes nomes, Weber, Timmermans, Vestager. O desafio é fazê-lo sem inviabilizar para sempre o recurso ao modelo dos Spitzenkandidaten, e é por isso que os líderes continuam a defender uma solução “holística” em que os diversos cargos são distribuídos como um pacote de forma a “premiar” as maiores famílias políticas e incentivar a construção de maiorias no Parlamento que garantam a execução do programa político que os líderes adoptaram neste Conselho, sob a forma de uma Agenda Estratégica para os próximos cinco anos.

Aliado de Macron, o primeiro-ministro português tem uma posição matizada. António Costa acredita que os líderes podem exercer a sua prerrogativa de escolher o presidente da Comissão em “conformidade” com os desejos do Parlamento Europeu, pelo que não encontra “nenhuma razão” para descartar alguns dos candidatos em torno dos quais ainda pode ser construída uma maioria. “Seria um desperdício para a Europa”, considerou.

Mas ao mesmo tempo, as palavras de Costa sugerem que não sofrerá demasiado se tiver de abdicar da eleição de um dos actuais cabeças de lista para garantir uma mudança política na UE e assegurar o fim da hegemonia do PPE à frente das instituições comunitárias. “Penso que ficou claro que o trabalho que tem de ser desenvolvido pelo presidente Tusk não é simplesmente olhar para a presidência da Comissão isoladamente. É necessário fazer um trabalho sobre o conjunto dos lugares a preencher de forma a encontrar uma solução equilibrada”.

Nas suas reuniões, os negociadores socialistas e liberais já desenharam vários modelos para a distribuição dos cargos entre os diferentes grupos políticos. Na próxima legislatura, as bancadas parlamentares conservadora, socialista e liberal asseguram uma ampla maioria de 440 votos (aos quais se juntam ainda 75 da bancada dos Verdes). No Conselho, as mesmas três famílias têm praticamente o mesmo número de representantes: há oito membros do PPE, sete liberais e sete socialistas. Para uma maioria no Parlamento, são precisos 375 votos mais um. Para uma maioria no Conselho, exige-se o acordo de 21 países que representem 65% da população da UE.

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