“O Brasil é o país da diversidade e a diversidade é o futuro”

O cantor, compositor e actor brasileiro Johnny Hooker, activista do movimento LGBTI, apresenta-se ao vivo em Coimbra, Braga, Porto e Lisboa, onde é cabeça de cartaz do Arraial Pride, já este sábado.

Foto
Johnny Hooker DR

Da primeira vez que se apresentou em Portugal, esgotou por duas vezes a lotação da sala antes dos espectáculos. Foi no Music Box, em Lisboa, nos dias 7 e 11 de Setembro de 2018, actuando depois no Porto e em Barcelos, também perante plateias entusiásticas. Agora, o cantor, compositor e actor brasileiro Johnny Hooker regressa a Portugal para uma digressão por quatro cidades. “A recepção em Portugal foi muito mais calorosa do que a gente imaginava, então resolvemos expandir um pouco o roteiro”, diz o cantor ao PÚBLICO. Actuará em Coimbra (Salão Brazil, dia 25, 22h), Braga (Theatro Circo, 4 de Julho, 21h30), Porto (Hard Club, 5 de Julho, 21h30) e Lisboa (Capitólio, 6 de Julho, 21h30). Mas antes, também em Lisboa e como activista do movimento LGBTI, será cabeça de cartaz do Arraial Pride, já este sábado, na Praça do Comércio (às 16h).

Com dois discos gravados e uma aura que lhe advém de uma forte exposição mediática (várias canções suas integram filmes e novelas, sendo aí popularizadas), Johnny nasceu na capital do Estado de Pernambuco, Recife, em 6 de Agosto de 1987. E nasceu John Donovan, apelido irlandês que herdou do avô. A mudança para o nome que agora usa deu-se na adolescência. “É nessa altura que a gente encontra o nosso grupo essencial, através de gostos musicais compartilhados. Conheci uma menina que estudava comigo, numa escola do Nordeste, há 15 anos, que era muito apaixonada pela cena punk dos anos 70, Sex Pistols, David Bowie. Ela era muito livre na maneira de se expressar, de se vestir, de usar o cabelo, e era muito perseguida por isso, sofria bullying e agressões verbais.”

Mas foi ao ouvir uma canção que acabou por procurar e encontrar um novo nome: “Há uma música do David Bowie, Moonage daydream, em que ele fala: ‘I’ll be a rock ’n’ rollin’ bitch for you’. Então, como na época eu estava começando a fazer música e a arranhar alguma coisa, resolvi adoptar esse nome em homenagem a ela. Fui procurar no dicionário, encontrei Hooker e o sinónimo [prostituta, como ‘bitch’ na canção de Bowie], e achei que tinha a força que eu queria, uma força punk-rock. Porque no começo, na minha primeira banda, a gente tocava Sex Pistols, Ramones. Então botei Hooker e ficou.”

Contestação em inglês

Johnny sempre cantou e tocou músicas suas, a par de versões, mas em inglês. “Porque o mercado americano colonizou o mundo, e a música que a gente ouvia aqui, na MTV Brasil, era em inglês também.” Começou a compor aos 14, 15 anos. “Comprei um violão, aprendi por conta própria. Aquela coisa bem punk: com três ou quatro acordes faz-se uma música. As minhas primeiras composições eram super-agressivas, sobre o governo, sobre a situação política e social do Brasil, mas (coisa paradoxal!) eram em inglês.”

Isso mudou, mais tarde: “À medida que os anos foram passando, fui descobrindo a música brasileira. E isso no Brasil da era Lula, do boom económico, da ideia de que este era o país do futuro. Havia uma valorização e uma redescoberta da música brasileira. E aí fui me apaixonar pelas coisas que o meu pai ouvia, como o Transa do Caetano [Veloso], Maria Bethânia, as coisas mais dramáticas, fui mergulhar nesse universo.” Da experiência nasceu o primeiro álbum, Eu Vou Fazer uma Macumba pra te Amarrar, Maldito! (2015), que a Rolling Stone brasileira veio a colocar entre os melhores do ano. “Fiz o primeiro disco lá [no Recife], depois mudei-me para o Rio de Janeiro, onde entrei numa telenovela como actor, casei-me lá e quando o casamento acabou fui para São Paulo, cidade onde já tinha morado um tempo e com a qual me identifico muito.” E é lá que vive, há sete anos.

Coração, o segundo disco (2017), nasceu “no meio de um processo meio conturbado, de mudança, de separação.” Isso a nível pessoal, mas também no seu país: “O impeachment, o golpe, essa democracia em vertigem, tudo começa a acontecer nessa época.” Sobre o momento actual, diz: “A gente está vivendo um retrocesso imenso de direitos, como na questão das armas. Mas é muito louco que, mesmo com essa sinalização contrária, tenha sido possível assegurar, através do Supremo Tribunal Federal, a criminalização da homofobia, coisa que já estava à espera de resolução há pelo menos 22 anos! O Supremo teve de agir por conta da ineficiência do Congresso. Mesmo assim, o governo já tem uma declaração super homofóbica sobre isso, o que é muito preocupante. Porque o Brasil, por si só, é o país da diversidade e a diversidade é o futuro. Temos de ser cuidadosos, ver onde isso vai dar, mas desde o impeachment o Brasil tem uma democracia fragilizada. E isso abre brechas na protecção às minorias, às parcelas mais fragilizadas da sociedade.”

Caetano, Bowie, Madonna

Na sua música, Johnny cita habitualmente três referências essenciais: Caetano Veloso, David Bowie e Madonna.“Bowie foi uma paixão da minha mãe, que é fotógrafa, artista também, e sempre foi muito livre, punk nos anos 70, usava roupas masculinas, femininas, ‘rastava’ o cabelo, era aquele choque na sociedade; e Bowie surge muito associado a ela.” Madonna surgiu-lhe na adolescência pelo lado imagético, do videoclipe, performático: “O [documentário] Truth or Dare, Na Cama com Madonna [1991], marcou-me muito, ver aquela mulher desafiando tabus sexuais, a homofobia, a igreja, viajando pelo mundo com aquela trupe de bailarinos, brancos, negros, asiáticos, gays. E Caetano entra também aí, nesse período da adolescência, por também ter essa coisa camaleónica, uma ousadia de experimentação e de nunca parar de ser ousado.” Johhny tem uma canção chamada Caetano Veloso (autor: Artur Dantas). “É uma paixão de nós dois, compartilhada”.

Como descrever a música que ele faz e canta, com a banda que o acompanha? “Gosto de descrever o que faço como música pop brasileira. Acho uma besteira a divisão entre a música pop, a que o povão ouve, e a MPB, que seria mais elitista, mais rebuscada. Porque é tudo música brasileira! Só pela colonização, a gente tem a música árabe, africana, italiana, portuguesa, até a indígena. E a gente vai misturando tudo. Então é uma sonoridade muito própria, muito única. No Recife, onde eu nasci e cresci, tem os caboclinhos, uma coisa que vem da tradição indígena; tem o coco e o maracatu, que vêm da cultura afro; tem o brega, que é a música romântica dos cabarés; tem até o brega-funk, mistura do reggaeton com o funk e ritmos latinos. E é impossível não ser contaminado por essa profusão de ritmos, que trazem esse DNA tão bonito.”

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