Ministério Público: modelo português é exemplo lá fora

É totalmente incompreensível e injustificada a tentação de quebrar um consenso com mais de 40 anos no regime democrático português.

A discussão atualmente em curso sobre a revisão do Estatuto do Ministério Público e as propostas recentemente apresentadas pelos principais partidos relativamente a essa matéria vieram reacender o debate sobre o paralelismo das magistraturas judicial e do Ministério Público.

Desde que, com a implantação do regime democrático, se separaram as carreiras de juízes e procuradores, o Ministério Público em Portugal deixou de ser visto como uma carreira meramente vestibular e reforçou a sua imagem de magistratura independente, conceito que (substituindo o de autonomia) cada vez mais se tem afirmado internacionalmente como o que deve, tal como aos juízes, ser‑lhe aplicado.

Se a separação das carreiras permitiu ao Ministério Público afirmar a sua identidade própria e realçar a importância da especificidade das suas funções – essenciais ao bom funcionamento de qualquer Estado de Direito democrático –, o paralelismo com a carreira da magistratura judicial foi não menos importante na afirmação pública do Ministério Público como uma verdadeira magistratura e não um mero instrumento do poder executivo.

A essencialidade desse paralelismo tem sido reconhecida e constantemente reafirmada pelas mais diversas instituições internacionais.

Já em 2 de março de 1996, na Declaração de Nápoles sobre os princípios relativos ao Ministério Público, a MEDEL – Magistrats Européens pour la Démocratie et les Libertés afirmava que “os membros do Ministério Público são necessariamente magistrados, integrados num único órgão jurisdicional ou formando uma magistratura distinta, que terá um estatuto, direitos e garantias equivalentes aos dos juízes”.

Mais tarde, o Conselho Consultivo dos Juízes Europeus e o Conselho Consultivo dos Procuradores Europeus, do Conselho da Europa, na Declaração de Bordéus e na sua nota explicativa (aprovadas em 19 de novembro de 2009), afirmaram com clareza que “o estatuto dos magistrados do Ministério Público deve ser garantido por lei ao mais alto nível possível, de forma análoga à dos juízes. A proximidade e a complementaridade das missões dos juízes e procuradores exigem requisitos e garantias semelhantes no que respeita ao seu estatuto e condições de serviço, nomeadamente em matéria de recrutamento, formação, progressão na carreira, disciplina, transferência (que só pode ser levada a cabo nos termos da lei ou com o seu consentimento), remuneração, cessação de funções e liberdade de criação de associações profissionais”.

Ainda recentemente este princípio voltou a ser reafirmado pela Rede Europeia de Conselhos de Justiça, no relatório de 2014-2016 sobre independência e responsabilidade do Ministério Público, aí se tendo dito que “as carreiras dos magistrados do Ministério Público devem reger‑se pelas mesmas regras aplicáveis aos juízes”.

Relembre-se que o modelo de Ministério Público português é visto no estrangeiro como um exemplo a seguir. A MEDEL, em colaboração com a Universidade de Florença, irá organizar em fevereiro de 2020 um seminário sobre os diferentes modelos de organização do Ministério Público na Europa, sendo que o exemplo português ali será apresentado como um dos mais conformes aos atuais standards internacionais.

Ora, sendo o paralelismo ente magistraturas cada vez mais reconhecido internacionalmente como essencial, é totalmente incompreensível e injustificada a tentação que crescentemente se tem feito sentir nos principais partidos políticos de quebrar um consenso com mais de 40 anos no regime democrático português.

Mais, sendo o modelo português apontado internacionalmente como exemplo a seguir, será um erro histórico e de graves consequências acabar com o paralelismo que há quatro décadas vigora.

Nesta matéria (como em muitas outras) convém nunca esquecer uma velha máxima americana que o Prof. Luís Fábrica nos relembrava há poucas semanas numa conferência sobre as anunciadas propostas de alteração à composição do Conselho Superior do Ministério Público: “If it’s not broken, don’t try to fix it.”

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Comentar