Liderança da UE: dois factores que podem acelerar uma solução

O risco de as negociações do “Brexit” poderem contaminar e até intoxicar o processo de escolha dos novos cargos e, mais latamente, o processo de decisão europeu em geral é efectivo e não deve ser menosprezado.

1. Tendo em conta que o Conselho Europeu de 20 e 21 de Junho se encontra convocado para escolher o nome do próximo presidente da Comissão Europeia, esta semana pode ser decisiva para o calendário de curto e médio prazo da União Europeia. Pode ser, embora esteja convencido de que não será ainda. A personalidade a nomear pelo Conselho terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu, em sessão plenária já agendada para a terceira semana de Julho. Como é sabido, a escolha do presidente da Comissão não é feita isoladamente, mas obriga a um conjunto altamente complexo de negociações que envolve outros cargos proeminentes da governança da UE. Cura-se naturalmente de caldear a origem da família política com a proveniência geográfica e com o género ou, até mesmo, com a interferência de algumas ambições nacionais ou pessoais. Para lá do residente da Comissão, entre os cargos que integram o pacote de negociação, estão o presidente do Conselho Europeu, o presidente do Parlamento Europeu, o alto representante para a Política Externa e, não menos importante mas normalmente omitido, o presidente do Banco Central Europeu. Como muito justamente ontem se dava conta nas páginas do PÚBLICO, a presidência do BCE é uma das escolhas cruciais. Muitos julgam até que, no actual estádio de desenvolvimento político-económico e político-institucional da UE, se trata de uma selecção ainda mais relevante do que a do Presidente da Comissão. E mesmo que ela acabe por não ser feita “em simultâneo” com a distribuição dos restantes lugares-chave – o que não é crível –, a verdade é que ela será absolutamente condicionada pelos equilíbrios que saírem da actual ronda negocial. Só para figurar um ou outro exemplo, a eleição de um alemão para a Comissão ou o Conselho impedirá, pura e simplesmente, o acesso de Weidmann – o controverso presidente do banco central alemão – ao vértice do BCE. Por sua vez, a indicação de um francês para a Comissão terá como efeito quase automático a entrega da presidência do BCE a um alemão e, em particular, àquele alemão.

2. Apesar de a semana se tomar por determinante, o mais provável é que não se chegue por agora a nenhum consenso sobre o nome do presidente da Comissão – e, por conseguinte, sobre os restantes cargos a ocupar. A existência no Conselho de uma quase paridade de chefes de Estado e de Governo das três maiores famílias políticas (PPE, socialistas e liberais) e a necessidade dos votos dos deputados europeus dessas mesmas três famílias políticas para aprovar o presidente da Comissão ilustram bem a dificuldade de chegar a um consenso. Há, no entanto, duas circunstâncias políticas que exercem uma imensa pressão para que possa ser tomada uma decisão até ao fim do mês de Junho.

3. A primeira é a eleição do presidente do Parlamento que terá lugar na primeira semana de Julho, durante a sessão constitutiva da nova legislatura. A eleição do presidente desta assembleia – que se antolha inadiável – interfere directamente com a sobredita distribuição de postos e com o equilíbrio político-partidário, geográfico e de género. Efectivamente, se chegarmos a 2 de Julho sem qualquer acordo quanto ao preenchimento dos diversos postos-chave em disputa, a eleição do presidente do PE terá de ocorrer em qualquer caso. A eleição que ali for feita apontará para um partido, um género e uma identidade geopolítica (país do Norte, do Sul, do Leste ou do Oeste; Estado de dimensão pequena, média ou grande). Essa escolha passará a ser um eixo largamente condicionante de todas as outras escolhas (para o Conselho, Comissão, BCE, Alto Representante). É certo que, como o mandato do presidente do PE é de apenas dois anos e meio, o efeito condicionante pode ser temperado pelo segundo período de dois anos e meio (em que pode ser eleito alguém de outra família partidária e de outra proveniência geopolítica). Seja como for, o efeito condicionante ou de precedente desta eleição consubstancia um factor que pressiona os chefes de Estado e de Governo, membros do Conselho, a chegar a um acordo global antes do início de Julho. Daí que se fale tanto na eventual realização de uma segunda reunião do Conselho – um Conselho extraordinário – antes do fim de Junho. Conseguir um acordo até ao final do mês corrente será a única via de evitar que a eleição no Parlamento restrinja a margem de liberdade e o leque de opções dos membros do Conselho. Bem ao contrário, se forem capazes de chegar a um acordo, serão eles quem influenciará – senão mesmo, decidirá – a escolha do presidente do Parlamento.

4. O segundo factor que exerce uma séria e forte presa sobre o Conselho é a escolha do novo líder dos conservadores britânicos e mais que provável futuro primeiro-ministro. A circunstância de, no final do mês de Julho, haver um novo primeiro-ministro britânico que, presumivelmente, vai querer mostrar uma posição de força quanto ao acordo de saída do “Brexit” é um factor de grande pressão para resolver quanto antes a equação dos postos-chave. Mais: há até uma hipótese remota – se o consenso em redor de Boris Johnson se revelar muito elevado – de ser eleito sem necessidade do voto das bases e, por isso, antes do começo de Julho.

O risco de as negociações do “Brexit” poderem contaminar e até intoxicar o processo de escolha dos novos cargos e, mais latamente, o processo de decisão europeu em geral é efectivo e não deve ser menosprezado. É bem verdade que a escolha do presidente da Comissão faz-se por maioria qualificada e, por isso, o Reino Unido não pode prevalecer-se de qualquer prerrogativa de veto. Mas pode – e muito – dificultar a aritmética das soluções plausíveis. Isto para além de que a posição de força da União depende muito da estabilização da(s) sua(s) liderança(s). Uma UE em pleno impasse negocial, incapaz de eleger os seus novos protagonistas, aparecerá em posição de fragilidade e de fraqueza ante um novo chefe do executivo britânico, ávido de se legitimar com uma retórica negocial forte.

Sim. Ruben de Carvalho. Conheci-o bem e admirava-o muito. De cultura inesgotável, com doses supinas de humor e ironia, era um humanista. A vida portuguesa perdeu um dos seus melhores.

Sim. Documentário sobre Lucas Pires. Na RTP 2, uma vista bela e robusta do perfil humano, cultural, político e intelectual. Uma consciência tardia, que resiste. Sem contrição dos que o vilipendiaram.

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