Um novo ano de todos os perigos

Os ecos que nos chegam do mundo à nossa volta parecem ganhar proporções cada vez mais inquietantes, como se vivêssemos em cima de um barril de pólvora prestes a explodir.

Em Portugal arrastam-se os folhetins bancários e autárquicos, com os seus golpes de prestidigitação ou a corrupção crónica cujo contágio parece estender-se por toda a parte, enquanto nos vamos interrogando, melancolicamente, sobre os desígnios da Nação – foi o tema inevitável do 10 de Junho. Mas lá longe (ou afinal tão perto?) os ecos que nos chegam do mundo à nossa volta parecem ganhar proporções cada vez mais inquietantes, como se vivêssemos em cima de um barril de pólvora prestes a explodir.

Exagero? É certo que a instabilidade internacional e as linhas de ruptura que se desenham através dos continentes não são, longe disso, uma novidade – pelo menos desde que Trump ocupou a Casa Branca. Entretanto foi-se exacerbando o clima de guerra comercial entre os EUA e a China ao mesmo tempo que os antigos irmãos inimigos do eixo sino-soviético (agora Xi Jinping e Putin) passaram a celebrar festivamente as suas novas cumplicidades. Last but not the least, aí está o apoio cada vez mais frenético do presidente americano ao “Brexit" e o correspondente divórcio com o multilateralismo e a memória da II Guerra Mundial celebrada tão artificiosamente por estes dias.

Mas como se tudo isto não bastasse, sinais de alerta de uma guerra cega – e quem sabe se iminente – vêm-se agora multiplicando no Golfo Pérsico, com ataques a navios petrolíferos que percorrem aquela rota, ataques esses que os EUA atribuem ao Irão – que os nega peremptoriamente –, secundados pelos seus principais aliados na zona: Arábia Saudita, Emirados, Israel. O mais perigoso, porém, é ser impossível descortinar onde começa a acção de um e acaba a do outro – como se elas estivessem, afinal, subrepticiamente ligadas, escapando ao controlo de cada um dos contendores. Daí o nó górdio da guerra cega – e das suas consequências impensáveis, enredando protagonistas e figurantes num novelo cada vez mais intrincado de acumulação de tensões (é também o caso mais relevante da guerra comercial dos EUA com a China).

Se a tudo isto juntarmos a já referida entente sino-russa, o expansionismo chinês das Rotas da Seda e o carácter cada vez mais tirânico do regime de Pequim (por estes dias um movimento popular sem precedentes eclodiu em Hong-Kong contra a pretensão do regime comunista em expatriar dissidentes estabelecidos na antiga colónia britânica), ficamos com um panorama inquietante do desenvolvimento das tendências autocráticas através do mundo. Tendências, aliás, a que nós, europeus e portugueses, não poderemos também ser alheios, apesar do canto de sereia com que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, pretendia seduzir-nos sobre as vantagens do futuro relacionamento luso-chinês (ver artigo Nós, a Europa e a China publicado na edição do PÚBLICO de domingo passado). Se, como escreve Santos Silva, “Portugal tem uma aproximação histórica à China a um nível que poucos dos seus aliados europeus e ocidentais alcançaram”, também é certo que o peso relativo da dependência económica de Portugal relativamente à China – como temos verificado nos últimos anos – ultrapassa o da maioria dos seus congéneres ocidentais e europeus. Não basta evocar a nossa fidelidade intransigente aos princípios dos direitos do homem para enfrentar uma relação de forças em que o contraponto dominante do outro lado é um regime requintadamente tirânico e o estatuto cada vez mais inacessível da figura do imperador Xi Jinping.

Perante este novo ano de todos os perigos, o papel da Europa tornou-se mais crucial do que nunca. A diversidade política que emergiu das últimas eleições europeias – contrariando as previsões mais pessimistas… e populistas – não constitui, por si só, um salvo-conduto para os europeus se resguardarem das ameaças crescentes do mundo, mas deverá estimulá-los a reunir as suas próprias forças para não ficarem reféns do(s) destino(s) imposto(s) por outros. Seja como for, não nos resta mesmo outra alternativa.

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