Nos Verões, enquanto os miúdos da sua idade mergulhavam nas ondas das praias do Algarve, Vasco Snelling, 29 anos, passava os três meses das férias escolares rodeado de pratos e alguidares na cozinha de um restaurante em Lagos. “Comecei a lavar loiça com 15 anos numa pizzaria durante o Verão. A verdade é que se ganhava bem para um puto daquela idade”, recorda. Passados uns tempos, ganhou-lhe o gosto, e começou “não só a lavar a loiça, mas a fazer saladas e pizzas ao longo dos primeiros anos”.
Daí até abrir o Gambuzino, na Rua dos Anjos, em Lisboa, demorou uns anos. Mas o que podemos contar, para já, é que tudo o que se serve neste espaço é um espelho das suas vivências pelo mundo. Ora vamos então a uma volta ao mundo que termina num antigo prostíbulo do Intendente transformado em restaurante com “consciência ética”.
Filho de pai inglês, Vasco tardou em descobrir o que lhe enchia de facto as medidas. Com 18 anos, mudou-se para a capital e foi estudar Engenharia do Ambiente, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, mas cedo percebeu que não era o que gostava de fazer.
Dois anos depois, em 2010, foi estudar para a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e foi então que descobriu a sua verdadeira paixão: cozinhar. Saído do curso, percorreu uma série de estabelecimentos conhecidos, mas resolveu voltar a casa, no Sul, antes de se lançar na primeira aventura. Em 2015, partiu para bem longe. Primeiro para Sydney, na Austrália, e depois para Melbourne, a segunda maior cidade do país.
Em Melbourne, o amor bateu-lhe à porta e juntou-se a Monica Graulund, de 27 anos. A namorada de Vasco nasceu na Dinamarca, mas mudou-se para a Austrália ainda muito nova. Conheciam-se de outros tempos, mas só quando perceberam que tinham ido para a mesma cidade, ao mesmo tempo, é que as coisas mudaram.
Em 2016, Vasco ficou responsável por um restaurante, mas quando o seu visto de trabalho terminou passados dois anos, foi altura de fazer as malas. Desta vez com companhia. Durante seis meses, percorreram a Ásia. “Entrámos pela Malásia, fizemos por terra a Tailândia, Camboja e Vietname”, descreve. No final da viagem, à boleia de uns amigos, ainda passaram pelo Japão, antes de aterrarem definitivamente em Portugal. “A Monica queria vir para a Europa, e então decidimos voltar.”
No Verão de 2018, Vasco teve oportunidade de arregaçar as mangas para juntar algum dinheiro e rumou ao Algarve para trabalhar como chef privado nas vivendas de turistas estrangeiros. Às tantas, conta, “estava com uma certa comichão” de querer fazer coisas, e decidiu mudar-se para Lisboa. O objectivo? Abrir um espaço onde pudesse dar azo à criação e deixar fruir no prato todas as experiências dos últimos anos.
O Gambuzino, o nome, esse surge de uma sugestão de Monica. Quando Vasco a ouviu soube que estava encontrada a identidade do espaço. “Isto é lindo”, pensou. Com esse nome, poderia fazer uma carta cujo objectivo seria pôr a imaginação a trabalhar, um pouco à semelhança do animal imaginário que povoa as mentes de milhares de pessoas em todo o mundo. “Não há imagens do gambozino e cada história contada por uma pessoa é sempre diferente. Então, pensámos em ter uma carta com elementos que desaparecem.”
Os produtos vão variando consoante a sazonalidade e disponibilidade. Há brunch e tostas para todos os gostos. Para as barrigas à procura de uma refeição mais composta, há hambúrguer de beterraba com chips de batata-doce (9,5€), caril de legumes (8€), shakshuka (algo que se assemelha a uma tomatada com ovo escalfado e especiarias, 7€) e petiscos que vão desde a cenoura algarvia (2€) aos cogumelos salteados com alho, vinho e malagueta (5€).
Para quem quiser beber um copo, o Gambuzino pode tentar ser encontrado entre as 12h e as 00h, de quarta-feira a domingo. A regar uma boa conversa ou somente a refeição, há cervejas artesanais e vinhos vegan, todos eles filtrados através de processos de origem vegetal. Há também cocktails clássicos como a caipirinha e mojito ou o expresso Martini algarvio (6,5€) e o spritzer não alcoólico (2€). A Surf Brewery, um dos tipos de cerveja servida, é um projecto português em que todo o dinheiro obtido com a venda do produto é revertido para ajudar na limpeza dos oceanos.
“Os pratos e as bebidas são tudo influências dos sítios onde estivemos. Gostamos muito de viajar e há sempre aquelas nostalgias”, explica. “Tentamos relembrar-nos dessas memórias e fazer algo vegetariano”. Ainda assim, o Gambuzino não se rotula como um restaurante vegetariano.
Vasco e Monica decidiram “fazer esta casa porque as pessoas deveriam perceber e ter consciência de onde os alimentos vêm”. Ali, junto ao Largo do Intendente, a comida e bebida são simples. “Não é alta cozinha, é mais comida honesta. Com consciência e saudável. Assim sabemos de onde vêm as coisas.”
No Gambuzino, cada um pode ser o que quiser. Carne e peixe ali não entram, mas há opções para todos os gostos. “As pessoas não associam uma imagem ao gambozino, pois quero que o mesmo se passe aqui com o que servimos”, assegura Vasco. Este é um sítio que não é só vegetariano. A ética ponderada em relação ao consumo é o prato principal da casa.