Conclusão da CMVM sobre venda de obrigações do Banif é má para os lesados

Entidade supervisora conclui que não há evidências de missellinggeneralizado na venda de produtos financeiros a particulares. Presidente da associação de lesados discorda

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Lesados do Banif recebem má notícia da CMVM LUSA/Gregório Cunha

A avaliação à forma como foram vendidos obrigações do Banif aos seus clientes, realizada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), na sequência da resolução do Banif, não é favorável aos clientes lesados. “Os elementos e documentos analisados não permitiram identificar evidências de misselling [venda enganosa] generalizado”, conclui a entidade supervisora da análise das mil reclamações apresentadas por clientes particulares.

A partir das 1002 reclamações analisadas, “apurou-se, relativamente à colocação de determinadas emissões de obrigações junto de alguns grupos e franjas de clientes, indícios de investimentos potencialmente desadequados face ao perfil desses clientes”, avança a CMVM, em comunicado publicado no seu site.

Mas logo acrescenta, que “da análise das declarações prestadas à CMVM por investidores e ex-colaboradores do Banif, e da informação recolhida na acção de supervisão, não foi possível apurar evidências, para além de qualquer dúvida razoável, da existência de práticas generalizadas de violação de deveres legais de comercialização de instrumentos financeiros pelo Banif”.

A evidência de misselling generalizado era importante para a viabilização de uma solução que permitisse a recuperação de pelo menos uma parte das perdas, embora ainda não se possa concluir que a criação de um instrumento, com semelhanças com o que foi criado para os lesados do papel comercial do BES, não possa avançar.

Em apenas 17 reclamações, representativas de 2% do total, “foi possível encontrar evidência de irregularidades na comercialização dos produtos objecto de reclamação, tendo seguido os respectivos processos para apuramento de eventual responsabilidade contra-ordenacional”, avança a entidade, que assume limitações na averiguação do que se passou, “pelo facto de não ter sido possível reconstituir elementos de prova, como por exemplo eventuais e-mails trocados entre colaboradores ou entre estes e clientes, e outra documentação física relevante”.

Assim, a entidade liderada por Gabriela Figueiredo Dias assume que “em 34% das reclamações o Banif não disponibilizou e não foi por outros meios possível obter elementos que permitissem aferir da regularidade – ou irregularidade – da sua actuação”, e que “nas restantes reclamações, ou não se identificaram evidências de irregularidades na actuação do Banif (34%) ou os processos foram concluídos com a prestação de esclarecimentos aos reclamantes (30%)”. Neste último caso, os esclarecimentos envolveram situações que não estavam, directamente relacionados com práticas enganosas relativamente à venda de produtos financeiros.

No documento hoje divulgado no site, a CMVM refere ainda que “quer em anteriores supervisões quer no âmbito do tratamento das reclamações, a CMVM verificou, relativamente a muitos casos, que o Banif facultou e entregou aos clientes toda a documentação informativa legalmente exigida (no âmbito de ofertas públicas, nomeadamente) e deu cumprimento às regras legais relativas à avaliação do carácter adequado das operações”.

As conclusões da CMVM, já comunicadas ao Banco de Portugal, à Assembleia da República, ao Governo, e à Associação de Lesados do Banif (ALBOA), já tinham sido antecipadas pela presidente da CMVM em Junho de 2018, em resposta aos deputados, ao assumir não terem sido encontradas provas de misseling.

Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da ALBOA, Jacinto Silva, diz que precisa de mais tempo para analisar os números que constam do relatório da CMVM, mas pelo que já viu diz estar certo de que não reflectem a realidade que conhece. “Nós andamos no terreno há três anos, e estes dados não estão claramente em linha com o que temos conhecimento”, resume ao PÚBLICO, insistindo que a esmagadora maioria dos lesados tem fraca literacia financeira. “Só pessoas sem escolaridade, são muito mais de 2%”, contabiliza Jacinto Silva, reforçando que estiveram em causa “práticas fraudulentas e agressivas” na comercialização de produtos financeiros apresentados como simples depósitos a prazo.

Jacinto Silva espera que o relatório da CMVM “não influencie ninguém”, numa referência à Comissão de Peritos, nomeada pela Ordem dos Advogados, para analisar esta matéria, e em quem a ALBOA deposita todas as esperanças.

Apesar de não se querer alongar em considerações, o presidente da ALBOA estranha o timing. “Surgem fora de contexto, porque já estamos numa fase em que é a Comissão de Peritos que está a trabalhar.” E critíca ainda a forma como o relatório foi divulgado. A ALBOA foi convocada para uma reunião, que decorreu na manhã desta sexta-feira, na qual recebeu um draft do relatório, que foi divulgado sensivelmente à mesma hora à imprensa.

A resolução do Banif aconteceu em 2015, e as suas responsabilidades e activos foram divididos pela Oitenta e pelo banco Santander.

Notícia actualizada com as declarações do presidente da Alboa.

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