RTP de novo com indemnização estatal? Quem paga pode querer mandar, avisa presidente do CGI

António Feijó, que preside ao órgão de supervisão e fiscalização da RTP há cinco anos, diz que o CGI “não quer mais poderes” e que o Estado deve manter o parecer prévio e vinculativo na escolha do administrador financeiro porque a empresa é financiada por uma taxa cobrada aos contribuintes.

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António Feijó preside ao CGI há cinco anos e o seu mandato, que não pode ser renovado, termina no próximo ano. LM MIGUEL MANSO

O presidente do Conselho Geral Independente da RTP considera que seria um erro voltar ao tempo em que a televisão pública era financiada pelo Orçamento do Estado, através da indemnização compensatória, como pretendem o PCP e o Bloco. “A partir do momento em que há alguém que paga, isso cria um potencial de intromissão”, avisa António Feijó, que lidera o órgão de supervisão e fiscalização da empresa de serviço público de rádio e televisão. Não quer dizer que essa intromissão aconteça de facto, mas esse financiamento estatal abriria a porta a que isso voltasse a acontecer.

Num jantar-debate organizado pela Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social, questionado pelo PÚBLICO, António Feijó também disse que “o CGI não quer mais poder nenhum”. “A gestão está muito bem nas mãos do presidente do conselho de administração. Não queremos poder desse” – nem se nenhum outro, insistiria. “A gestão está-nos vedada, assim como qualquer interferência na programação e informação”, garantiu, embora admita que há conversas orientativas em algumas matérias – “Pomos as nossas reservas, às vezes, de modo robusto”, confessou.

Mas, numa futura análise e reflexão que o Governo e o Parlamento façam sobre o trabalho deste conselho, gostaria de ser ouvido. E essa análise tem agenda marcada para daqui a um ou dois anos, promete o PS. Sobre essa assumida intenção socialista e as propostas do PCP e do Bloco para acabar com o CGI, Feijó diz não haver “nada de intimidatório: é o puro jogo da democracia”. Mas, vinca, “gostaria que se fizesse um debate sério – e nele, o valor que deve prevalecer é o da racionalidade”. O CGI foi criado pelo anterior Governo e é composto por seis elementos - dois indicados pelo Governo, dois pelo Conselho de Opinião da RTP e outros dois são cooptados.

Voltemos ao financiamento. A actual contribuição para o audiovisual (CAV), paga mensalmente pelos consumidores de electricidade tem um “carácter regressivo, oneroso e injusto”, admite o responsável pelo CGI, porque “incide do mesmo modo sobre quem tem maior e menor capacidade económica” – apesar de haver uma tarifa social, mais baixa. “Vemo-nos como procuradores dos pagantes da CAV perante a tutela (o Estado) e a estrutura”, aponta António Feijó. Acrescenta que a reintrodução da indemnização compensatória pode parecer virtuosa para a RTP Internacional e África sob a capa da cooperação e da promoção do país no estrangeiro, embora até essa questão específica lhe levante “dúvidas”.

“A RTP era a televisão de Estado e a história de uma TV de Estado foi a história da interferência sistemática do Estado na RTP”, vinca. “Nenhum dos dois governos com quem lidámos tentou interferir politicamente na RTP. (…) Não temos traço disso”, garante. Ainda que, admite, há uma interferência política a montante e que existirá sempre: é o Governo que emite um parecer prévio e vinculativo sobre o membro da administração que tem o pelouro financeira. “Isto estabelece uma relação directa com o poder.”

O presidente da confederação, José Faustino, tinha-se congratulado, antes de Feijó intervir, com o facto de ter “acabado a conversa de que os governos controlavam a RTP. Nunca mais ouvi isso [desde que existe o CGI]. Isso, para mim, basta-me.” Faustino é contra a extinção do CGI embora admita o seu aperfeiçoamento.

O PCP e do Bloco avisaram há três meses que pretendiam mexer no modelo de governação da RTP ainda nesta legislatura, acabando com o actual conselho geral independente e repondo o financiamento estatal. Se os comunistas mantinham um conselho geral mais alargado nomeado pelo Parlamento e que depois escolheria a administração, os bloquistas propõem que a nomeação da administração seja feita de forma tripartida pela Assembleia da República, Governo e trabalhadores.

António Feijó contou que há algum tempo recebeu o seu homólogo checo, que lhe descreveu a sua realidade: é nomeado pela câmara baixa do Parlamento e esta faz-lhe “sentir alguma incomodidade política com algumas decisões que toma; é uma coabitação difícil”.

Ao PÚBLICO, o presidente do PS e da bancada parlamentar, Carlos César, afastou o cenário de fazer mudanças no modelo do serviço público para já, mas assegurou ser pretensão socialista mexer no modelo da RTP na próxima legislatura, já que não concordam com a existência do CGI – contra o qual votaram em 2013.

Avisando falar a título pessoal e não como dirigente deste órgão, adiantou que o parecer prévio e vinculativo do Ministério das Finanças sobre o nome do administrador da área financeiro deve continuar a existir – apesar de se correr o risco de arrastar decisões de mudanças no conselho de administração, como aconteceu no ano passado - porque a RTP vive da taxa (80% das receitas vêm da CAV, 20% da publicidade).

António Feijó defendeu que a RTP tem que ter uma presença “forte”, e que o grande dilema será sempre a dicotomia entre audiências e serviço público. Deu como bom exemplo a externalização de alguns conteúdos através da política de abertura à produção independente da anterior administração, em especial de Nuno Artur Silva, que, não tendo reflexo imediato nas audiências, permitiu um ganho na indústria do audiovisual. Mas o pilar fundamental é a informação – que deve ser uma “voz no mercado com autoridade baseada na racionalidade”.

“Se alguma coisa justifica a existência de um operador público e a supervisão, é o que aparece no ecrã e o que se ouve na rádio. E por isso tem que assegurar que o que está a ser suportado pela CAV é de qualidade.” António Feijó realçou que o “valor da democracia” pode ser traduzido de vários modos. Deu o exemplo da TDT que, “ao não ter cobertura em todo o território, ao não assegurar a universalidade do sinal, é uma violação da democracia”. Um exemplo na programação? O Preço Certo, de Fernando Mendes. “Corresponde a um segmento demográfico específico e tem uma comunidade de interesse; há pessoas que merecem esse programa e têm que se rever no ecrã.” “E esse programa é muito bem feito”, elogia.

“O CGI devia preservar o conselho de administração para este poder fazer a gestão normal da empresa. Mas é difícil se a mínima decisão adivinhada se transforma numa polémica pública e depois somos chamados a intervir”, aponta António Feijó, numa referência ao caso do acordo entre a RTP e a Federação Portuguesa de Futebol.

“A gestão directa da empresa é refém de pequenas questões que afectam a estabilidade do seu programa”. Exemplo das “polémicas” com que a equipa de Gonçalo Reis se tem confrontado, é uma recente acerca do parque automóvel da administração que teria passado a integrar um Tesla de dezenas de milhares de euros – que afinal era apenas de teste. “A conjuntura na RTP é sempre problemática”, diz o presidente do CGI, queixando-se do “muito debate sindical” que existe na empresa. “Uma estrutura que tem oito canais, a gestão de um conjunto de centenas de funcionários e um orçamento desta dimensão… e muitas vezes temos uma questiúncula sobre a qual vai cair o Carmo e a Trindade.”

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