Netanyahu sofre a pior derrota desde há 13 anos

Israel fica em situação política inédita de ter que haver novas eleições após falhar uma primeira tentativa de formar Governo. O país vai estar em campanha até Setembro.

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Netanyahu na longa noite em que o Parlamento votou a sua dissolução abrinho caminho a eleições antecipadas RONEN ZVULUN/Reuters

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, sofreu uma das piores derrotas da sua carreira - a pior desde que é primeiro-ministro, há 13 anos - ao não conseguir chegar a um acordo de coligação com os partidos que formariam o seu bloco de direita. Acabou por levar o Parlamento a dissolver-se e o país a novas eleições, que vão decorrer a 7 de Setembro. Nunca tinha acontecido na História de Israel. 

A noite de quarta-feira, em que terminava o prazo para Netanyahu apresentar o seu Governo (teve 50 dias para o negociar), foi frenética em anúncios, desmentidos e especulações: que havia um acordo para Governo, que não havia, que Netanyahu tinha oferecido ao Partido Trabalhista, que elegeu seis deputados, quatro ministérios, que a votação para a realização de novas eleições podia falhar.

O ponto fundamental não mudou: Netanyahu precisava tanto do partido nacionalista secular Israel Nossa Casa, liderado pelo seu antigo aliado Avigdor Lieberman, como do religioso Judaísmo Unido da Torah para ter maioria, e os dois estavam em rota de colisão, discordando da excepção do serviço militar obrigatório para os que sigam estudos religiosos.

Afinal, falhando um governo, Netanyahu conseguiu a única pequena consolação: a dissolução do Knesset, o que lhe permite disputar eleições antecipadas em Setembro, evitando que a prerrogativa de formar governo passasse para o seu rival, Benny Gantz. Apesar de não haver muitas possibilidades de maioria para Gantz, Netanyahu jogou pelo seguro.

Um bloco central teria maioria. Mas Gantz fez campanha centrando-se num programa anti-corrupção, e Netanyahu enfrenta três potenciais acusações de corrupção, já anunciadas pelo procurador-geral, Mordechai Mandelblit. Vários analistas tinham dado como provável uma solução de bloco central, mas esta hipótese terá sido afastada pelo medo de Netanyahu do desfecho de um processo caso as acusações sejam formalizadas.

"Manobra kafkiana"

Netanyahu acusou Lieberman de “uma manobra inacreditável, kafkiana”; mas foi o próprio Bibi que precipitou as eleições. “No seu discurso zangado após a votação, Netanyahu disse que Israel vai ‘queimar milhões [de shekels nas eleições] por causa das ambições pessoais de um homem’”, escreveu o jornalista do Ha’aretz Anshel Pfeffer (que é também biógrafo do chefe de Governo). “Ele referia-se a Lieberman, mas poderia estar a descrever-se a si próprio.”

Neste discurso, Netanyahu disparou o primeiro salvo de campanha contra Lieberman, usado o agora habitual insulto da política do país: que ele seria “de esquerda”. “Tentou derrubar um governo de direita”, justificou.

A alegação de que Lieberman, o defensor de transferências de território (de cidades árabes israelitas para a Cisjordânia, por exemplo) e da pena de morte para terroristas, poderia ser de esquerda, foi um exagero notório até para um debate político que não é dominado pela subtileza. Mas Netanyahu repetiu a acusação na quinta-feira, fazendo ver que esta poderá ser a sua linha de ataque a Lieberman.

Numa sondagem feita logo após a dissolução do Knesset, os blocos de direita e o de esquerda continuam com um equilíbrio muito semelhante, embora com uma subida marcada de Lieberman. Netanyahu continuaria a precisar de ambos os partidos actualmente incompatibilizados para governar.

Começou a surgir a hipótese do bloco de Gantz vir a fazer uma abertura aos ultra-ortodoxos e conseguir assim uma maioria. A última campanha foi marcada por cisões à esquerda e à direita, e é ainda cedo para perceber qual poderá ser a dinâmica desta campanha. 

Acabou a magia?

“Pela primeira vez numa década, acho que Bibi pode estar em apuros”, disse Michael Koplow, do Israel Policy Forum (com sede em Nova Iorque)​. O primeiro-ministro ganhou a alcunha de “o Mágico”, por conseguir vencer contra todas as previsões e obstáculos.

Enquanto isso, o périplo do conselheiro presidencial e do enviado especial norte-americano Jared Kushner e Jason Greenblatt sobre o plano de Donald Trump para a paz entre israelitas e palestinianos aconteceu no pior timing possível: Kushner e Greenblatt encontraram-se esta quinta-feira com Netanyahu.

O primeiro-ministro disse a Kushner que na véspera houve “um pequeno incidente” mas garantiu que “isso não vai parar a nossa colaboração”.

Mas o pequeno incidente, ou o maior revés da carreira política de Netanyahu desde há muitos, muitos anos, tem o potencial de travar o plano de Trump, conhecido na região como deal of the century (o “negócio do século”, segundo a descrição do próprio Trump, gabando-se das suas capacidades de fechar acordos difíceis).

O correspondente do Ha’aretz em Washington, Amir Tibon, diz mesmo que esta crise “pode matar o plano de paz de Trump”: o Presidente dos EUA deu “a Netanyahu controlo sobre o seu calendário e agora percebem que o calendário de Netanyahu é controlado, de facto, pelos pequenos partidos de Israel”. Qualquer plano para a região é arriscado, e se for apresentado em Setembro o seu possível falhanço torna-se um problema para um Trump em pré-campanha para a reeleição em 2020.

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