De Sonia Delaunay a Ângela Ferreira, as mulheres serão o foco da nova exposição da Gulbenkian

A próxima apresentação da Colecção Moderna põe a tónica numa história menos contada da arte portuguesa do século XX até aos nossos dias.

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As Ruas de Lisboa (1977), de Ana Hatherly DR

Mais de uma centena de obras de mulheres artistas, produzidas ao longo do último século em Portugal, compõem a nova exposição que a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, inaugura a 31 de Maio. Intitulada As Mulheres na Colecção Moderna. De Sonia Delaunay a Ângela Ferreira 1916-2018, a exposição, produzida a partir do acervo da instituição, tem curadoria de Patrícia Rosas, e incluirá trabalhos de pintura, desenho, ilustração, têxteis, fotografia, vídeo, escultura e instalação, indicou à agência Lusa fonte da fundação.

Ofélia Marques, Mily Possoz, Sonia Delaunay, Alice Rey Colaço, Raquel Roque Gameiro e Sarah Affonso estão entre as artistas que abrirão este novo percurso expositivo, que se inicia na Primeira República (1910-1933), período de inquietação e rupturas estéticas suscitadas, nomeadamente, pela obra de Amadeo de Souza-Cardoso, um dos introdutores do modernismo em Portugal.

Nesses primeiros módulos da exposição, a obra de Sonia Delaunay (1885-1979) será recordada com os seus estudos da cor e dos “círculos órficos”. Mas o piso inferior do museu mostrará também como, nos anos de 1920, as artistas portuguesas se dedicaram também à ilustração, colaborando com revistas como a Panorama, a Ilustração ou a Civilização, e intervindo em livros destinados ao público infantil, caso de Mily Possoz (1888-1968) ou de Ofélia Marques (1902-1952).

Ainda no piso inferior do museu, serão apresentados livros ilustrados por uma série de artistas, que também incluem Alice Rey Colaço (1890-1979), Raquel Roque Gameiro (1895-1986), a pintora Sarah Affonso (1899-1983) e Maria Adelaide Lima Cruz (1908-1985).

O período que se segue, a ditadura do Estado Novo (1933-1974), será acompanhado na arte pela emergência da estética neo-realista, que denunciou as condições sociopolíticas da época, escreve a curadora no texto de apresentação da exposição. Um caso particular que As Mulheres na Colecção Moderna. De Sonia Delaunay a Ângela Ferreira 1916-2018 terá em conta será a constituição da Gravura – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, em 1956, que começou por se aproximar do neo-realismo então em voga. Teresa Sousa (1928-1962), que tal como Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) estudou gravura no Atelier 17 de Stanley Hayter, em Paris, foi distinguida com o Prémio Gravura na I Exposição de Artes Plásticas, em 1957, da Fundação Calouste Gulbenkian.

A partir de 1961, a Guerra Colonial fomentou, no contexto artístico, mas não só, o êxodo dos artistas portugueses para Paris e Londres, sobretudo como bolseiros da Gulbenkian, já que não encontravam no país condições favoráveis ao desenvolvimento da sua obra. Assim fizeram Paula Rego (n. 1935), que foi estudar para a Slade School of Fine Art, em Londres, entre 1952 e 1956, e aí fixou residência em 1963, e também Menez (1926-1995), que partiu para Londres como bolseira, em 1964-1965 e em 1969.

Nesta década, em que a abstracção começava a ganhar força, Paula Rego produzia pinturas de inspiração surrealista, “afastando-se nominalmente da abstracção, mas criticando fortemente o regime salazarista e franquista nas suas pinturas”, aponta um texto da Gulbenkian sobre esta nova exposição a partir da sua colecção.

Surgem depois, nesta exposição da Gulbenkian, os anos de 1960 e 1970, que ficaram marcados pelos experimentalismos: Maria José Oliveira (n. 1943), Ana Vieira (1940-2016), a primeira mulher artista portuguesa a aventurar-se na instalação, Túlia Saldanha (1930-1988) ou Helena Almeida (1934-2018) são artistas destacadas neste período, “em que o tema do corpo da artista ou a sua ausência” ganha proeminência. Corte Secreto, a obra com que Helena Almeida se apresentou em 1982 na Bienal de Veneza (o Pavilhão de Portugal foi nessa edição comissariado por Ernesto de Sousa), marcará presença.

Também Salette Tavares (1922-1994) e Ana Hatherly (1929-2015), artistas que se inscreveram no campo cruzado das artes visuais e da poesia experimental, estão representadas no percurso, respectivamente com o móbile (ou poema-instalação) Bailia e a colagem As Ruas de Lisboa.

Ainda na senda do período pós-revolucionário em Portugal, Emília Nadal (n. 1938) surge com trabalhos que reflectem um cariz pop e propõem uma reconfiguração das dimensões social e política: Slogan's, constituída por mais de 120 latas em alumínio, aborda a sociedade de consumo, dos slogans e da acumulação.

Já em meados dos anos 1980, Clara Menéres (1943-2018) vai aprofundar novas pesquisas em torno da luz e da aplicação na pedra de materiais como o néon; na exposição, a sua obra far-se-á representar por Lapis Cognitionis.

No decorrer das duas primeiras décadas do século XXI, sublinha o texto que enquadra a exposição, “entra em cena uma geração de jovens artistas que se distingue das anteriores pela formação académica que realiza ou completa em instituições estrangeiras, e que posiciona já claramente as suas práticas e as suas obras em contextos e circuitos expositivos internacionais”. O vídeo e a fotografia tornam-se meios de produção cada vez mais habituais ao longo da década de 1990, embora a pintura, a escultura e o desenho continuem a mostrar-se campos de trabalho profícuos. Neste módulo final, a exposição destaca artistas como Luísa Correia Pereira (1945-2009), Susanne Themlitz (n. 1968), Cecília Costa (n. 1971), Susana Gaudêncio (n. 1977), Ana Cardoso (n. 1978), Mariana Gomes (n. 1983) ou Sara Bichão (n. 1986).

Os visitantes vão poder ainda ver um vídeo de Maria Lusitano (n. 1971), Nostalgia, situado entre o documentário e a ficção, produto de uma longa investigação que usa imagens de arquivo representativas do colonialismo português em Moçambique, bem como de entrevistas com portugueses nascidos nesse país e retornados depois da independência.

O percurso encerra com uma série de desenhos de Ângela Ferreira (n. 1958), alguns deles produzidos no ano passado e entretanto adquiridos pela Fundação Calouste Gulbenkian, nos quais a artista trata o tema da exploração dos diamantes na África do Sul.

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