Sonia Delaunay em retrospectiva, para lá da pintura

Há quem diga que Sonia Delaunay (1885-1979) nunca foi tão feliz como durante a sua curta estadia em Portugal e veja nos banhos de sol, de luz e de mar que a pintora e "designer" tomou em Vila do Conde com o marido Robert os antecedentes do seu luminoso orfismo. Talvez por isso, a exposição "Sonia Delaunay. Tecidos Simultâneos", que hoje abre as suas portas ao público no Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR), no Porto, faça duplo sentido. Comissariada por Petra Timmer, a mostra organiza-se em torno do revolucionário "design" têxtil e de moda criado pela artista, mas não deixa de percorrer toda a carreira do casal Delaunay, nem de incorrer em desvios oportunos para incluir alguma da pintura que cita Sonia, através de obras de Robert, mas também dos amigos Amadeo de Souza-Cardoso ou Eduardo Viana.Recuperando o ideal modernista da integração da arte na vida quotidiana, a exposição que o MNSR acolhe até 24 de Fevereiro procura explicar as tendências praticadas por Sonia na sua produção como "designer" têxtil à luz dos mesmos princípios que orientam a pintura muito particular do casal Delaunay e que o amigo Guillaume de Apollinaire concentrou no termo orfismo. É esse movimento para lá do cubismo, obcecado com a possibilidade de insinuar o movimento e as formas pela simples justaposição de cores contrastadas, que molda todo o "design" de moda da pintora e fixa as bases do seu simultaneismo, um uso construtivo da cor como princípio de figuração. O percurso biográfico e profissional de Sonia Delaunay - o nascimento na Ucrânia, em 1885, a adopção, cinco anos mais tarde, por um tio rico de São Petersburgo que lhe proporcionou uma educação opulenta recheada de verões na Europa, a formação artística numa academia alemã e os anos de Paris, onde conheceu Delaunay, mas também Louis Aragon, Tristan Tzara e Blaise Cendrars - funciona como pano de fundo de uma mostra cujo "design" foi concebido pelo pintor António Viana.Tecidos, criações e figurinos originais, bem como documentação e materiais associados aos processos de produção, compõem o grosso de uma exposição que envolve parcerias com diversos museus, galerias e coleccionadores europeus, de entre os quais se destacam o Musée de l'Impression sur Etoffes de Mulhouse, o Museu Galiera de Paris, o Centre Georges Pompidou, a Biblioteca Nacional de França e a colecção holandesa de Matteo de Leeuw de Monti. A Boutique Simultanée e a nova mulherO primeiro trabalho de Sonia Delaunay na área do "design" têxtil - uma coberta para a cama de Charles, o filho então bebé - anuncia já os padrões que hão-de marcar as suas criações posteriores. Mas é sobretudo depois da primeira guerra mundial, na ressaca de uma revolução russa que interrompeu as generosas remessas enviadas pela família ao casal, que Sonia se dedica a sério a uma actividade até então caseira e relativamente secundária. Com muita pontaria, de resto, já que rapidamente Sonia inaugura uma pequena loja em Madrid, onde conquistara a simpatia da alta sociedade com os figurinos concebidos para o bailado "Cleópatra", de Diaghilev, e acaba por regressar a Paris convencida da viabilidade dos seus padrões.Os famosos "poemas vestíveis", que produziu a meias com Tristan Tzara e Louis Aragon, bem como o projecto "La Prose du Transsibérien", seu e de Cendrars, fizeram o resto. Foi a partir daí que o seu estilo modernista se tornou popular em França, onde chegou a alimentar capas de "Vogue" e contribuiu para a imposição definitiva do "prêt-à-porter" e para a definição da nova mulher francesa. O sucesso do programa de "design" de roupa e de acessórios La Boutique Simultanée, em 1925, baseado numa paleta de cores agressivas e formas geométricas, bem como a ressurreição da sua frenética veia criadora, adormecida por alturas da morte de Robert, em 1941, acabaram por fazer de Sonia Delaunay uma das mais brilhantes e referenciais "designers" do século que ainda agora terminou e que o MNSR se propõe agora revisitar.

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