Seis revelações e confirmações do relatório Mueller

Trump temeu o fim da sua presidência e tentou afastar o procurador especial. O relatório da investigação às suspeitas de obstrução de justiça e de conluio entre a campanha republicana e o governo russo não incrimina o Presidente norte-americano, mas também não o iliba: um “nim”.

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Reuters/Yuri Gripas

Quase dois anos e 448 páginas depois, os norte-americanos podem a partir desta quinta-feira ficar a conhecer parte da conclusões da investigação do procurador especial Robert Mueller às suspeitas de obstrução de justiça por parte do Presidente dos Estados Unidos e de conluio entre a campanha de Donald Trump e a Rússia na caminhada para as eleições de 2016. O relatório final, censurado em quase 40% do seu conteúdo, foi enviado ao Senado e à Câmara dos Representantes e disponibilizado na Internet

Ao contrário do que o responsável máximo pelo Departamento de Justiça, William Barr, tem afirmado publicamente, o documento indica claramente que Mueller não iliba Trump, apesar de o procurador especial também não ter encontrado matéria para acusar criminalmente o Presidente. Eis algumas das conclusões-chave da investigação:  

Trump tentou afastar Robert Mueller

Em Junho de 2017, o Presidente norte-americano pediu a Don McGahn, à data advogado da Casa Branca, para tentar forçar a saída do procurador especial devido a alegados conflitos de interesse. McGahn acabaria por se demitir e de dizer a Mueller, já em sede de inquérito, que se sentia “encurralado porque não planeava cumprir a ordem do Presidente” e que não sabia o que dizer a Trump.

Este é uma de dez instâncias que Mueller examinou como possíveis acções de obstrução de justiça. O relatório do procurador especial afirma que Trump só não chegou a cometer um crime devido à recusa de vários membros da sua Administração em executar as suas ordens.

“Os incidentes ocorriam frequentemente através de reuniões cara-a-cara em que o Presidente tentou usar o seu poder oficial fora dos canais habituais. (…) Estas acções foram desde tentativas para afastar o procurador especial e para reverter os efeitos da escusa do procurador-geral [à data, Jeff Sessions]; à tentativa de utilização do seu poder oficial para limitar o alcance da investigação; até contactos directos e indirectos com testemunhas com o potencial de influenciar o seu testemunho. Ver estes actos no seu todo pode ajudar a fazer luz sobre a sua relevância”, lê-se no relatório.

Trump temeu pelo fim da sua presidência: “Estou f…”

A preocupação de Trump perante a investigação conduzida por Mueller ficaria clara num comentário do Presidente em reacção à abertura do inquérito e que é citado no relatório agora divulgado. “Oh meu Deus. Isto é terrível. (…) Isto é o fim da minha presidência. Estou f…”, terá dito o chefe de Estado perante Jeff Sessions.

Mueller não acusa Trump de obstrução de justiça, mas também não iliba o Presidente

Posto isto, qual a conclusão de Mueller face às suspeitas de que Trump cometeu um crime ao tentar travar ou influenciar a investigação em curso? Uma passagem-chave do relatório: “Se acreditássemos, após uma investigação aturada dos factos, que o Presidente claramente não cometeu obstrução da Justiça, teríamos dito isso”. Uma espécie de “nim” que é substancialmente diferente da “ilibação completa” alegada por Trump e sugerida pelo actual procurador-geral William Barr.

Wikileaks ajudou os serviços secretos militares russos a divulgar informação comprometedora sobre Hillary Clinton

O relatório Mueller é claro na atribuição da autoria do roubo de documentos do comité nacional do Partido Democrata (DNC) e do director de campanha de Hillary Clinton ao GRU, a secreta militar russa, secundando as conclusões da generalidade das autoridades e serviços de inteligência dos Estados Unidos. E sublinha o papel do site de denúncias Wikileaks no esforço de divulgação dos documentos – um esforço orientado para infligir dano à campanha da democrata.

De modo a aumentar a sua interferência nas eleições presidenciais americanas de 2016, as unidades do GRU transferiram muitos dos documentos que roubaram ao DNC e ao chairman da campanha Clinton para o Wikileaks. Oficiais do GRU utilizaram as entidades DCLeaks e Guccifer 2.0 para comunicar com o Wikileaks através de mensagens privadas do Twitter e de canais encriptados, incluindo possivelmente através do sistema privado de comunicações do Wikileaks”, lê-se no relatório.

A investigação aponta ainda a hostilidade de Julian Assange, co-fundador do Wikileaks e o seu rosto mais conhecido, em relação a Hillary Clinton, citando mensagens enviadas pelo australiano a outros colaboradores do site: “Seria muito melhor se o Partido Republicano ganhasse… Democratas+Imprensa+Esquerda formariam um bloco para limitar as suas piores qualidades… Com Hillary no poder, o Partido Republicano incentivará as piores qualidades dela, Democratas+Imprensa+neoliberais ficariam calados… Ela é uma sociopata sádica, inteligente e bem relacionada”.

Depois de uma primeira publicação de emails de Hillary Clinton no Wikileaks obtidos de forma legítima, o GRU contactou a organização de Assange através do site de denúncias DCLeaks (que se crê que tenha sido apenas um instrumento da secreta russa), propondo a publicação de documentos obtidos ilicitamente. O relatório Mueller cita uma mensagem privada do Twitter trocada entre o DCLeaks e o Wikileaks: “Vocês anunciaram que a vossa organização estava a preparar-se para publicar mais emails da Hillary. Estamos prontos a ajudar-vos. Também temos informação sensível, em particular os seus documentos financeiros. Vamos fazer isto juntos. O que acham de publicarmos a nossa informação ao mesmo tempo?”

São também referidas mensagens em que é o Wikileaks a solicitar dados da campanha Clinton às entidades DCLeaks e Guccifer 2.0. Numa comunicação datada de 6 de Julho de 2016, a organização de Assange pede informações para divulgar com o propósito de condicionar a Convenção Democrata daquele Verão e as dinâmicas de apoio aos dois candidatos democratas então em disputa, Hillary Clinton e Bernie Sanders: “Se tiverem qualquer coisa relacionada com a Hillary vamos querer isso nos próximos dois dias de preferência porque a convenção está a aproximar-se e ela vai consolidar apoiantes do Bernie depois (…) Pensamos que o Trump tem apenas 25% de hipóteses de ganhar contra a Hillary, então conflito entre Bernie e Hillary seria interessante”.

O Wikileaks acabaria por publicar 20.000 emails e outros documentos roubados à rede informática do Partido Democrata a 22 de Julho de 2016, três dias antes da convenção. Mais tarde, divulgaria emails do director de campanha de Hillary, John Podesta, que terão sido obtidos ilicitamente por agentes russos.

O relatório acusa ainda Assange de ter tentado ocultar a origem dos documentos através da sugestão implícita, feita no Twitter e numa entrevista, de que a fonte seria Seth Rich, um funcionário do Partido Democrata assassinado em Julho de 2016 (a morte de Rich por homicídio é atribuída pela polícia a uma tentativa de assalto em Washington, mas tem alimentado teorias conspirativas em meios da extrema-direita norte-americana ao longo dos últimos anos, que relacionam o crime com a campanha Clinton).

Campanha Trump estaria a par das publicações do Wikileaks

O relatório Mueller indica ainda que a campanha Trump estaria a par da divulgação iminente de emails pelo Wikileaks e que “no Verão de 2016 estava a ser planeada uma estratégia de comunicação baseada na possível divulgação de emails de Clinton pelo Wikileaks”.

Contudo, o elo de ligação entre a campanha Trump e a organização de Assange é menos claro devido à quantidade de passagens do relatório que estão censuradas. Um exemplo: “[censurado] Manafort também [censurado] quis estar a par de quaisquer desenvolvimentos relacionados com o Wikileaks e separadamente disse a Gates para se manter em contacto [censurado] sobre próximas divulgações do Wikileaks. (…) [censurado] enquanto Trump e Gates se dirigiam para o aeroporto de LaGuardia. [censurado] logo após a chamada, o candidato Trump disse a Gates que mais divulgações de informação comprometedora estaria a caminho”.

Campanha Trump mostrou-se disponível para receber auxílio de Moscovo, mas não há provas de colaboração criminosa

A investigação Mueller não encontrou indícios de um conluio criminoso entre a campanha republicana e o governo russo. No entanto, é apontada a “receptividade” da campanha Trump relativamente a abordagens de agentes russos.

“A investigação estabeleceu múltiplas ligações entre oficiais da campanha Trump e indivíduos ligados ao governo russo. Estas ligações incluíram ofertas russas de auxílio à campanha. Em alguns casos, a campanha mostrou-se receptiva à oferta, enquanto noutros casos os oficiais da campanha mostraram-se indisponíveis”, lê-se.

“Em última análise, a investigação não estabeleceu que a campanha tivesse coordenado ou conspirado com o governo russo nas actividades deste para interferir no processo eleitoral”, ressalva o relatório.

Sobre a polémica reunião ocorrida em Junho de 2016 na Torre Trump de Nova Iorque, entre Donald Trump Jr., Paul Manafort, Jared Kushner e vários lobistas russos, em que terá sido discutida a cedência de informação comprometedora sobre Hillary Clinton, a investigação Mueller não detectou indícios de crimes.

A investigação reafirma ainda algo que já tinha sido dito pelo ex-advogado pessoal de Trump, Michael Cohen, de que este nunca agiu entre elo de ligação entre a campanha e Moscovo durante um suposto encontro em Praga, ao contrário do que tinha sido indicado pelo antigo espião britânico Christopher Steele e por alguma imprensa anglófona: “Cohen nunca viajou para Praga e não estava preocupado com essas alegações, que acreditou serem comprováveis como falsas”.

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