Depois de ter passado mais de três meses na prisão e de ter sido detido uma segunda vez, suspeito de crimes financeiros, Carlos Ghosn voltou a alegar a sua inocência, nesta terça-feira, através de um vídeo publicado no Youtube. Impedido de dar uma conferência de imprensa originalmente marcada para dia 11 de quinta-feira, o ex-líder da Nissan tentou prestar esclarecimentos sobre as suspeitas de que é alvo, repetindo que é vítima de “uma conspiração”.

“Estou inocente”, arranca Ghosn. “Passei 108 dias na prisão porque fui sempre coerente: eu estou inocente”, acrescenta, antes de fazer uma declaração de amor ao Japão e à Nissan. “Ninguém passa 20 anos num país nem na liderança de uma empresa sem amor”, afirma, referindo-se à sua carreira à frente da fabricante de automóveis. “O meu amor pelo Japão e pela Nissan não fica contaminado pelas provações que passei”.

Já perto do final do vídeo, o gestor repete a acusação: “Isto é uma conspiração”. Insiste no que já tinha afirmado no final de Janeiro, numa entrevista ao jornal japonês Nikkei Asian Review. Nessa altura, Ghosn apontou o dedo aos parceiros nipónicos, falando em “traição” e “conspiração”. Dizia-se vítima de “um golpe” por parte de alguns executivos da Nissan que não concordavam com o seu plano de fusão entre aquela empresa, a Mitsubishi e a Renault.

“Não se trata de avareza nem de ditadura, isto é uma conspiração, é uma facada nas costas”, repete o gestor, ecoando a entrevista de Janeiro. E oferece as mesmas justificações: tudo está relacionado com o processo de convergência da Nissan, que une três dos maiores fabricantes de automóveis do mundo. De acordo com Ghosn, havia quem temesse a concentração de poder nas suas mãos, que poderia ameaçar a autonomia da empresa e de alguns dos seus executivos. Terá sido por essa razão que foi reiteradamente acusado de comportamentos ditatoriais, algo que nega.

“A autonomia da Nissan nunca esteve em risco nos últimos 19 anos”, afirma Ghosn. E quanto às pessoas, “a autonomia só é concedida a quem conseguir ter uma melhor performance com essa autonomia”, atira. “Tenho muito respeito pelos trabalhadores, estou a falar de alguns executivos que, pelos seus próprios interesses e pelos seus medos egoístas criaram destruição. Vocês conhecem-nos.”

Sobre o momento actual da empresa, Ghosn diz-se preocupado “porque a performance da Nissan está em queda”, mas também porque não considera que “haja qualquer visão” por parte da actual gestão. Jean-Dominique Senard, de 65 anos, ocupa agora o cargo de chairman (presidente do conselho de administração) da Renault, com responsabilidades estratégicas e de supervisão. Senard ocupa também o antigo cargo de Ghosn no conselho de administração da Nissan. O actual CEO é Hiroto Saikawa.

Quanto ao seu processo na justiça nipónica, o gestor caído em desgraça diz apenas desejar “um julgamento justo”. Ghosn foi detido preventivamente em Novembro, acusado de fraude fiscal por ocultar quase 70 milhões de euros em remunerações, entre 2010 e 2018. Mais tarde, foi também acusado de abuso de confiança, por ter recorrido a 13 milhões de euros da Nissan para cobrir prejuízos sofridos em investimentos pessoais. Voltou a ser detido em Abril, quando se encontrava em liberdade condicional, devido a novas acusações relacionadas com pagamentos feitos pelo gigante automóvel a um distribuidor da Renault no Omã, no Médio Oriente, e que terão depois seguido para uma empresa ligada a Ghosn. O ex-líder da Nissan sempre negou todas as acusações.

Carlos Ghosn entrou no grupo Renault no final dos anos 80 e começou a trabalhar na Nissan no final dos anos 90, quando o fabricante nipónico estabeleceu uma aliança com o parceiro francês. Ghosn, empresário nascido no Brasil mas de nacionalidade francesa, é creditado pela recuperação da empresa, outrora em crise.