Juízes e procuradores esperam há dez anos por gabinetes de apoio

Medida, prevista na lei desde 2009, foi inscrita nos objectivos estratégicos da Justiça para este ano, mas volta a não haver dinheiro para a pôr em prática.

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NELSON GARRIDO

A criação de gabinetes de apoio aos magistrados, constituídos por especialistas com formação em áreas como a Economia ou a Contabilidade, que deveriam assessorar juízes e procuradores, está há dez anos sem sair do papel.

Esta medida foi uma novidade do modelo de reorganização do funcionamento dos tribunais que arrancou, em três comarcas-piloto, em Abril de 2009, e voltou a estar inscrita no diploma que regulamentou a reforma do mapa judiciário, lançada em todo o país em 2014. Mas dez anos depois, os tribunais continuam a não ter gabinetes de apoio aos magistrados. Motivo? A falta de verbas.

Em Fevereiro passado, o Ministério da Justiça, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) inscreveram a instalação destes gabinetes como um dos objectivos estratégicos para este ano. Mas confrontados pelo PÚBLICO, os dois primeiros organismos assumem que não há dinheiro para avançar com a criação dos gabinetes, que podem incluir profissionais especializados em Ciências Jurídicas, em Economia, em Gestão, em contabilidade ou noutras área consideradas relevantes pelo CSM e pela PGR.

“O Conselho Superior da Magistratura iniciou em Outubro de 2015 o procedimento de instalação dos gabinetes de apoio aos juízes, tendo formulado um projecto de proposta com indicação da constituição dos gabinetes, tendo indicado essa constituição em 2017, bem como a necessidade de previsão orçamental desta instalação”, afirma o CSM numa resposta enviada ao PÚBLICO.

No entanto, nota o organismo de supervisão dos juízes: “No Orçamento atribuído ao CSM para 2018 não foi contemplada dotação para a instalação dos gabinetes”. Tal repetiu-se no orçamento para este ano.  

Em 2017, o conselho superior informou o Ministério da Justiça, depois de iniciar o processo de articulação com a PGR, que seriam necessários 16 profissionais para criar estes gabinetes, em todo o país, nomeadamente juristas, criminologistas e contabilistas, uma contratação que implicaria um gasto anual de cerca de dois milhões de euros. A lei prevê que estes gabinetes sejam “compostos por especialistas com formação académica de nível não inferior a licenciatura e experiência profissional adequada”. Devem ser recrutados por concurso para cargos de direcção intermédia da Administração Pública. “É da competência do Conselho Superior da Magistratura e da Procuradoria-Geral da República a abertura do procedimento concursal, a fixação do perfil exigido e dos critérios de admissão, bem como a selecção e classificação dos especialistas que integram os respectivos gabinetes de apoio”, lê-se na lei.

Não se percebe, contudo, porque é que na publicação dos objectivos estratégicos da Justiça para 2019-2021, feita em Fevereiro deste ano, quando o orçamento do conselho já estava fechado, aparece “instalar gabinetes de apoio dos juízes” ainda este ano. Confrontado com esta questão, o Ministério da Justiça recusa qualquer responsabilidade. “O MJ não interfere, por qualquer forma, na elaboração do orçamento do Conselho Superior da Magistratura, uma vez que se trata de entidade dotada de autonomia administrativa e financeira”, afirma a assessoria de imprensa do ministério. “A assunção deste objectivo significa, da parte do MJ, o firme comprometimento de, no específico âmbito das suas atribuições, assumir os compromissos daí decorrentes quanto, por exemplo, a equipamentos e instalações”.

Para a PGR, o dinheiro não parece ser o único entrave à criação destes gabinetes, uma matéria que diz estar “em estudo, com vista à definição de um concreto modelo de implementação”.

Condições de acessibilidade

A melhoria das condições de acessibilidade para pessoas com mobilidade assistida é outro dos objectivos estratégicos inscritos para 2019-2021. Questionado pelo PÚBLICO sobre este tema, o MJ garante que o “levantamento e planeamento estão feitos”. E precisa que entre 2016 a 2018, “foram introduzidas acessibilidades”, num total de 24 edifícios da área da justiça, a maior parte tribunais. Isto através da realização de obras ou da instalação dos serviços em novos edifícios, acessíveis a pessoas com problemas de mobilidade. Houve obras em vários Palácios da Justiça (Tondela, Vila Pouca de Aguiar, Trancoso, Moura, Lamego, Funchal, Figueira Castelo Rodrigo e Rio Maior) e no Juízo de Trabalho de Coimbra. Outros serviços mudaram de instalações, como o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, o Tribunal Central Administrativo do Sul, os juízos de Comércio e Central Cível de Leiria, os de Sever do Vouga, Maia, Almeirim e Avis, entre outros. Alguns dos tribunais que sofreram obras só ficaram parcialmente acessíveis como é o caso dos tribunais de Monção, Celorico da Beira e Vila Franca de Xira.

O ministério adianta que estão em curso obras em dois tribunais e a reinstalação de quatro juízos, estando previstas para breve o início de obras em outros três tribunais. Estão ainda projectadas obras em 41 serviços da Justiça. Isto apesar de a legislação obrigar a que todos os espaços públicos sejam acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida, o que levou a Associação Salvador a intentar este ano uma acção contra o Ministério da Justiça devido à falta de acessibilidades do Tribunal da Comarca de Leiria.

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