Pilotos etíopes seguiram instruções da Boeing, mas o avião não obedeceu

Relatório preliminar ao acidente de Março, que matou 157 pessoas, exclui falha humana e recomenda revisão do sistema de controlo do 737 Max 8.

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Reuters/Baz Ratner

O que fez cair o voo ET 302? A pergunta continua sem resposta. O relatório preliminar do inquérito ao acidente de 10 de Março em Adis-Abeba, capital da Etiópia, que matou 157 pessoas, é inconclusivo sobre as razões da queda do Boeing 737 Max da Ethiopian Airlines. Mas faz duas recomendações: a Boeing deve “rever os sistemas de controlo de navegabilidade”; e as autoridades de segurança aérea devem verificar essas alterações antes de permitirem o regresso do modelo 737 Max 8 aos voos comerciais. “Não queremos culpar ninguém, queremos garantir a segurança a todos”, garantiu a ministra Dagmawit Moges, responsável pelos Transportes, numa conferência em que as palavras ditas pareciam escolhidas a dedo. 

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A ministra Dagmawit Moges, nesta manhã, em Adis-Abeba EPA/DANIEL GETACHEW

O relatório preliminar não permite ilações, mas descreve o que aconteceu nos fatídicos seis minutos desde a descolagem até à queda. E o que ficou dito sugere que os momentos finais foram uma luta entre os dois pilotos e o aparelho. A ministra disse que “a descolagem pareceu bastante normal”, mas referiu que houve “sucessivas instruções para a nave baixar o nariz”. Essas instruções não foram dadas pelos pilotos, salientou.

Face ao cenário de emergência, “a equipa de pilotagem cumpriu todos os procedimentos indicados pelo fabricante para estas situações”. Ou seja, fizeram tudo o que podiam, mas não tiveram sucesso. “Não conseguiram evitar” o desastre porque o nariz do avião continuou a ser puxado para baixo, em direcção ao solo. 

A Ethiopian Airlines – a maior e mais rentável companhia de aviação de África – diz, num comunicado publicado no site, que, “apesar de terem cumprido totalmente os procedimentos de emergência, os pilotos não conseguiram recuperar o controlo do avião, cujo nariz persistia em baixar”.

Bjorn Fehrm, engenheiro aeronáutico e um dos autores mais técnicos a escrever sobre segurança aérea, publicou na quarta-feira um texto em que explica de forma detalhada como o cumprimento das instruções que a Boeing deixou no manual seguido pelos pilotos pode “criar situações perigosas” com o MCAS. O texto original em inglês pode ser consultado aqui.

Um problema estrutural? “Nim"

Jornais como The Wall Street JournalThe Seattle Times noticiaram na quarta-feira que os pilotos terão desligado o sistema MCAS – um automatismo que deveria ajudar a controlar a velocidade do aparelho, apontando o nariz para baixo, em caso de falha de sustentação –, mas nada foi dito sobre isso. Segundo aqueles jornais, os pilotos tentavam assim recuperar o controlo do aparelho, mas não o conseguiram.

Terá o MCAS actuado sozinho, de forma errada e com base em dados erróneos, como terá sido o caso do acidente com um 737 Max 8 da Lion Air, na Indonésia, no final de Outubro de 2018? Mais uma vez, a conferência desta manhã não esclarece, mas permite especular que a resposta é sim. Certo é que, como disse um dos representantes etíopes na comissão que investiga o acidente do ET 302, a “caixa negra” não registou colisão com qualquer objecto na descolagem ou enquanto ganhou altitude. Concluindo-se, portanto, que a actuação do sistema que baixa o nariz do avião só pode ser explicado com base em dados errados, fornecidos por uma das duas sondas que alimentam o sistema.

Haverá um problema estrutural neste modelo, o mais vendido pela Boeing? “Por agora, não sabemos. A investigação vai continuar. Só haverá relatório final dentro de um ano”, disse a ministra etíope, que assegurou ainda que cabe agora ao procurador-geral coordenar o processo legal relativo à indemnização das famílias das vítimas mortais do acidente. 

Depois do acidente de Março, e dadas as semelhanças com o desastre de Outubro, o Boeing 737 Max 8 e Max 9 foram proibidos de voar. Há cerca de 300 aparelhos entregues pelo fabricante que estão interditados, devido a suspeitas sobre a fiabilidade do MCAS. A Boeing prometeu melhorar este software, que foi introduzido nesta geração, e o presidente da empresa, Dennis Muilenburg, participou num ensaio em que este melhoramento foi testado. Esse teste foi anunciado pelo próprio, no Twitter, horas antes da conferência de imprensa do Governo etíope. Pode ter sido uma tentativa de controlar o impacto da revelação do relatório preliminar, que pede ao fabricante que reveja o funcionamento do MCAS, que actua sobre o estabilizador horizontal das aeronaves.

O fabricante norte-americano garantiu, desde o primeiro acidente, que o sistema pode ser desactivado, permitindo aos pilotos recuperar o controlo do avião, caso haja algum problema. Porém, o desastre com o ET 302 e as primeiras conclusões sugerem que essa solução é insuficiente. As acções da Boeing estão neste dia a descer 1,47%, depois de terem recuperado cerca de metade da desvalorização em dólares que registaram nos primeiros dias após o acidente de Adis-Abeba.

A Boeing tinha mais de 5000 encomendas para o 737 Max. Até ao momento, apenas uma companhia, a Garuda Indonésia, cancelou a encomenda de 49 unidades que tinha colocado no fabricante norte-americano.

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