Pela transparência, por favor, não regulem o lobby

O documento que resultou da votação da última semana na AR balança entre a inutilidade e o retrocesso.

Desde o seu primeiro estudo sobre o tema em 2014, a Transparência e Integridade defendeu a regulação do lobby, apesar da impopularidade do conceito. Acreditamos que, com os instrumentos certos, uma boa regulação promove processos de decisão mais informados, transparentes e inclusivos e, desta forma, gera políticas públicas de melhor qualidade. Assim, foi com satisfação que acolhemos a intenção do Parlamento regular a actividade e tornar a decisão pública mais transparente. Hoje, perante o diploma que resultou das votações na Comissão de Transparência, apelamos aos senhores deputados que não regulem o lobby. Não esta proposta! Pior que a falta de regulação é esta má regulação.

O documento que resultou da votação da última semana balança entre a inutilidade e o retrocesso, diminuindo objetivamente a (pouca) transparência que já existe na decisão política. Referimo-nos, em primeiro lugar, ao facto de os futuros registos de lobistas não obrigarem à declaração dos clientes das empresas e/ou consultores de lobby. Se não é para saber quem procura influenciar decisões publicas, para que serve a regulação? O registo de transparência (cuja designação terá necessariamente que mudar, porque de transparente não terá nada) servirá apenas como uma espécie de páginas amarelas para as empresas de lobbying? Quem, para além destas, terá interesse ou razão para se registar? E quem terá interesse ou necessidade de consultar o dito registo? Um registo de lobistas que oculta o nome dos clientes servirá só para incentivar a contratação de testas de ferro que influenciem os processos políticos na penumbra. Nunca será uma ferramenta de controlo e transparência da representação de interesses, mas antes um mecanismo de legitimação das influências ocultas.

O segundo e mais preocupante aspecto prende-se com o facto de o texto aprovado admitir “a excepção de se manter o sigilo sobre os contributos e os contactos com lobistas até ao fim do processo legislativo, se se decidir que o assunto merece esse dever de confidencialidade”. Este é um retrocesso perigosíssimo que significa que alguém (quem?) terá a prerrogativa de decidir que determinados assuntos (quais?) serão confidenciais e que apenas alguns grupos de interesse (quais, escolhidos por quem?) terão a possibilidade de participar em certas decisões políticas, legislativas ou administrativas. É tornar o que já era uma prática informal opaca num procedimento legal, dando razão aos que acreditam que regular o lobbying é legalizar o tráfico de influências. Se, até agora, o acesso aos processos de decisão era mais facilitado a quem tinha melhor acesso ao poder, agora as barreiras de acesso serão definidas por lei. Deixaremos de ter consultas públicas e passaremos a ter consultas privadas com direito a palavra-passe fornecida pelos decisores públicos aos seus amigos mais influentes. No fim, e como de costume, ao resto dos cidadãos bastará receber a factura de um jantar para o qual não foram convidados nem souberam que teve lugar, mas com cujos custos terão de arcar.

Perante este cenário, somos forçados a rever a nossa posição. Continuamos favoráveis à regulação do lobby, mas a uma regulação que permita aos cidadãos saber quem influencia que decisores públicos e sobre que temas. Não podemos aceitar que atirem areia para os olhos dos cidadãos nem que se aprovem leis intelectual e politicamente desonestas. Aos deputados da nação, mesmo aos que defendem a regulação do lobby, apelamos a que rejeitem este projecto em plenário. Em particular, aos deputados do PSD que agora afirmam que o partido se opõe à regulação do lobby sugerimos que leiam o programa eleitoral que os fez serem eleitos: “Daremos sequência ao trabalho que vem sendo desenvolvido, adotando atos legislativos respeitantes ao estabelecimento de regras de registo obrigatório e gratuito para a atividade de representação de interesses legítimos (vulgo lobbying), em alinhamento com o quadro da União Europeia e, nomeadamente para os âmbitos de decisão parlamentar e executiva, bem como os respetivos códigos de conduta” (na página 123, para vos facilitar o trabalho).

Há formas honestas de regular matérias sensíveis como o lobby, aplicando soluções que aumentam a transparência e abrem aos cidadãos novas oportunidades de participação. Três anos de trabalho da Comissão dita para o Reforço da Transparência não chegaram para os deputados as encontrarem. Não façam nada. Chumbem esta proposta e voltemos a tentar na próxima legislatura. Para mau já basta assim.

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