Portugal deve ir mais longe que Bruxelas na responsabilização das plataformas electrónicas

Deco considera que a proposta da Comissão sobre reforço dos direitos dos consumidores nas compras online é um passo positivo, mas ainda insuficiente.

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Enric Vives-Rubio

Pode Portugal influenciar a política europeia de defesa do consumidor? Pode e já o tem feito em várias situações em que a legislação nacional está à frente da de outros Estados-membros, servindo de referência para os diplomas comunitários. E pode continuar a fazê-lo, defende Paulo Fonseca, coordenador do departamento jurídico da Deco, referindo-se às recentes iniciativas da Comissão Europeia para dar maior protecção aos consumidores no comércio online e nos pontos de venda físicos (offline) que, sendo importantes, ainda apresentam lacunas que “as autoridades nacionais devem colmatar. E o mais rápido possível”.

Especialmente no que se refere ao comércio electrónico, a criação de regras comunitárias tem sido um processo moroso e difícil, incapaz de responder à rapidez dos desafios que vão surgindo. Exemplo disso, o Parlamento Europeu (PE) aprovou esta semana duas directivas, um processo que foi iniciado em 2017 e que os Estados-membros têm dois anos, após a sua publicação no Jornal Oficial, para transpor para o direito nacional. Embora representando uma conquista importante em termos de garantias dos consumidores, as duas directivas apresentam lacunas importantes, que a Comissão Europeia está a tentar colmatar ainda no pacote a que chamou de New Deal for Consumers.

Este novo compromisso está dividido em duas partes. A primeira - que Portugal, ao contrário de outros países, já garante no essencial - é a possibilidade de serem apresentadas acções judiciais colectivas contra determinadas empresas, através de entidades de defesa do consumidor ou outras. São exemplo dessas acções os processos da Deco contra a Volkswagen ou, mais recentemente, contra o Facebook. Esta directiva, já votada no PE, vem ainda reforçar substancialmente as indemnizações a pagar aos consumidores no caso de práticas comerciais desleais alargadas, e que podem chegar a 4% do volume de facturação das entidades empresariais.

A outra parte do New Deal, que ainda não garantiu “um compromisso firme” num PE em fim de mandato (mas que já assegurou um acordo prévio entre embaixadores dos Estados membros), “retoca” quatro directivas, razão porque ganhou a designação de directiva Omnibus. Neste “autocarro”, Paulo Fonseca vê alterações importantes, nomeadamente no aumento de informação a prestar aos consumidores, mas vê ficar de fora situações que já afectam muitos consumidores, que se prendem com a co-responsabilização das plataformas electrónicas quando existem problemas relacionados com produtos e serviços, ou mesmo a prática de burlas.

Em causa estão as situações em que os designados marketplaces, como a Amazon, o Airbnb, ou ainda o Imovirtual, a FNAC e Worten, vendem ou promovem produtos ou serviços de terceiras entidades, em relação às quais dizem não ter qualquer responsabilidade. Com essa desresponsabilização, explica o jurista da Deco, os consumidores sentem-se “enganados”, porque pensavam que estavam a relacionar-se directamente com a plataforma, mas depois ficam “sozinhos” a tentar contactar entidades sediadas noutros países, ou são confrontadas com práticas fraudulentas, como as que o PÚBLICO relatou recentemente em relação ao arrendamento de casas, sem conseguir fazer valer os seus direitos.

“Porque existe esta lacuna e porque a negociação das matérias de defesa do consumidor são muito difíceis a nível comunitário”, Paulo Fonseca defende a importância de Portugal avançar rapidamente nesta matéria, referindo que a Deco já sensibilizou o Governo para esta necessidade. E o Governo já assumiu essa dianteira noutras situações, nomeadamente em relação ao transporte em carros descaracterizados, assegurados através de plataformas, como a Uber, em que Portugal não se limitou a dar luz verde, impondo uma série de responsabilidades.

Entre os avanços da directiva Omnibus estão as novas exigências de informação relativas à identificação do vendedor, nomeadamente se é um particular ou uma empresa, algo que actualmente não acontece, e se está protegido pelos direitos dos consumidores em caso de algo correr mal. Estão também novos direitos relativos à protecção de dados, nomeadamente nos serviços gratuitos, e a práticas desleais, independente do local de compra, como a venda de produtos diferentes a preços iguais (por exemplo, paloco em vez de bacalhau).

Falhas na fiscalização

Na frente comunitária, o Executivo tem-se batido, com sucesso, pela harmonização mínima de várias directivas, o que permite acomodar na legislação nacional garantias mais favoráveis para os consumidores, referiu o responsável, dando como exemplo, o facto de se ter conseguido manter um prazo de garantia dos bens de dois anos, sem o consumidor ter de fazer prova que o problema já existia no momento da compra. Para os países que não tinham esse direito acautelado, a garantia passa a ser de dois anos, mas no segundo ano o consumidor tem de fazer prova de que o problema já existia, o que é extremamente difícil de fazer. Já na hierarquização dos direitos relativos à reparação de situações desconformes, os consumidores nacionais perdem a possibilidade de escolha, que passa a estar hierarquizada: reparação/substituição, redução de preço e resolução do contrato.

Em declarações recentes à Lusa, a propósito de uma reunião relacionada com o novo acordo para os consumidores, o secretário de Estado da Defesa do Consumidor, João Torres, defendeu que a harmonização deve ser feita “por cima” de forma a acomodar a legislação já existente em Portugal.

O coordenador do departamento jurídico da Deco, Paulo Fonseca, diz não ter dúvidas que, em termos de legislação nacional, “Portugal tem um edifício muito sólido”. Mas falha na sua aplicação/fiscalização, nomeadamente por falta de recursos humanos e financeiros”.

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