Banca, um problema que ninguém quer resolver

Resta-nos saber quando irá custar a próxima injeção de capital porque todos, da direita à esquerda, não apresentam as soluções porque as soluções não lhes interessam.

No verão quente de 2014, o primeiro-ministro Passos Coelho e o Presidente da República Cavaco Silva garantiam aos portugueses que o banco BES estava sólido e que até valia a pena investir no banco. Na noite de 3 de agosto, os portugueses foram surpreendidos com o desmantelamento do BES e milhares de pequenos acionistas perderam as poupanças de uma vida. Perante tal tragédia foi criado o Novo Banco, financiado por um fundo de resolução no valor de 4,9 mil milhões no qual o Estado investiu 3,9 mil milhões a título de empréstimo. Os contribuintes não seriam lesados, garantiram-nos. Em 2018 mudam-se os protagonistas, mas o problema continua e António Costa, primeiro-ministro, e Mário Centeno, ministro das Finanças e Presidente do Eurogrupo, autorizaram a injeção de mais 792 milhões no Novo Banco a que se seguiu em 2019, nova injeção de €1149 mil milhões. Mário Centeno explicou aos portugueses, tal como num dejá vu, que este empréstimo não custará um cêntimo aos contribuintes e sugere a criação de uma nova comissão de inquérito ao Novo Banco. Venha ela, dizem todos os deputados. Mas será solução?

A comissão parlamentar de inquérito ao caso BES deu-nos belíssimas horas televisivas, proporcionou o aparecimento de uma estrela mediática, a deputada Mariana Mortágua, e, de pergunta em pergunta, percebemos que o sistema estava podre. Mas o que fez esta “geringonça” para o alterar? Na verdade, nada. O Bloco de Esquerda, antes de geringonçar, propôs a separação da banca comercial da banca de investimento ou de retalho, o PCP continuou a defender a ideia mas não apresentou qualquer iniciativa legislativa e o PS não voltou a apresentar a proposta de separação das bancas, cavalo de batalha durante os anos da troika. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas não se mudam as políticas bancárias.

A cultura bancária continua apostada na especulação, concedendo créditos bancários de alto risco a investidores privilegiados, enquanto a maioria dos clientes bancários recorre ao crédito mais conservador para compra da casa ou do carro. Só que, quando os negócios especulativos correm mal para poucos clientes, mas com dívidas de milhões, são os muitos clientes com dívidas pequenas que pagam pelos prejuízos de todos. E os contribuintes, obviamente.

E esta cultura bancária, onde os lucros são privados, mas os prejuízos são públicos, assim continuará porque não há vontade para a alterar. A regulação bancária é uma ilusão de ótica dado que os próprios reguladores e supervisores são parte do sistema, membros ativos do sistema que englobam a banca privada e pública, as seguradoras e o Governo. O presidente do Banco de Portugal, responsável máximo pela regulação, foi administrador da Caixa Geral de Depósitos, presidente do conselho de administração da Caixa Geral de Aposentações, presidente do conselho de administração do Banco Nacional Ultramarino S.A, Macau e presidente do Banco Caixa Geral. A vice-presidente Elisa Ferreira foi ex-deputada do PS e o vice-governador Luís Máximo dos Santos foi presidente do conselho de administração do Banco Espírito Santo, S.A. (2014-2016), por designação do Banco de Portugal. É nesta absoluta promiscuidade que assenta a regulação do sistema bancário, onde os reguladores foram ou são parte interessada na banca. E não vale a pena recorrer para a Autoridade Bancária Europeia que acabou de nomear para comissário europeu o lobbista chefe do banco Santander, José Manuel Campa, continuando o sistema a funcionar como um clube privado onde só se acede por status quo.

O galinheiro está entregue às velhas raposas. Resta-nos saber quando irá custar a próxima injeção de capital, qual o próximo banco a ser intervencionado porque todos, da direita à esquerda, sabem bem quais são os problemas, mas não apresentam as soluções porque as soluções não lhes interessam.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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