O tempero certo

Não virá grande mal que os actores políticos actuais ocupem o espaço dos populistas, com as suas estratégias de proximidade ou frequentando o palco televisivo onde têm nascido as mais notórias e igualmente pífias tentativas de protagonizar um movimento populista.

No fundo, no fundo, o que se estranha não é tanto o que acontece, mas o que por cá, felizmente, continua a não acontecer. Quando perscrutamos as correrias incessantes de Marcelo Rebelo de Sousa, os seus beijinhos ou os 3,3% de portugueses que já têm uma selfie com o presidente, não vemos o campeão do populismo, o que vemos é um campeão da popularidade.

Quando nos sentamos a ver o corrupio de políticos no programa televisivo da manhã e nos interrogamos sobre a cedência ao vazio da política-espectáculo, o que vemos são eles a aproveitar o melhor que têm à mão: grandes audiências em ambiente favorável. Que isso lhes sirva para construírem uma imagem mais próxima do espectador, arroz de atum ou cataplana de peixe, está longe de ser sinónimo de se se estarem a deixar levar na onda antielites que alastra na cena política mundial.

Olhando em redor, a interrogação é legítima, mas todos os sinais nos mostram que o sistema político português permanece imune ao poder desagregador do populismo. Antes de mais, pela experiência inédita de estabilidade de uma aliança parlamentar à esquerda que terminará sem soluços. Depois, por as projecções, quer para as europeias quer para as legislativas, nos mostrarem que o xadrez partidário se mantém sensivelmente inalterável. Se se cumprisse o vaticínio da última sondagem, PS e o bloco PSD-CDS simplesmente trocavam de lugar na preferência dos portugueses, o resto continuaria sensivelmente igual.

Não virá grande mal que os actores políticos actuais ocupem o espaço dos populistas, com as suas estratégias de proximidade ou frequentando o palco televisivo onde têm nascido as mais notórias e igualmente pífias tentativas de protagonizar um movimento populista. Mas também não virá grande remédio. O risco maior para o sistema está nos que não se sentem representados e o facto de termos uma das abstenções a crescer para os 50%, uma das mais elevadas da Europa, só o torna mais claro. É como se existisse uma bolsa de gás à espera da faísca certa.

A táctica justificável não se transforma numa estratégia certa, porque a questão não está tanto em fazer os políticos mais próximos dos cidadãos, mas dos cidadãos se sentirem mais próximos da política, dos partidos, capazes de influenciar a vida colectiva pela sua participação. Esse é o tempero certo com que se cozinham as democracias sólidas e se afasta o populismo. E aí, há muito a fazer.

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