Há três anos a ocupar o espaço dos populismos sem ser devorado por eles

Quatro académicos que analisam fenómenos políticos estão de acordo: o Presidente da República não pode ser considerado um populista à luz dos conceitos científicos actuais. “Uma retórica popular não faz um populista”, salienta Carlos Jalali.

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"Uma retórica popular não faz um populista", diz Carlos Jalali LUSA/JOÃO RELVAS

Ao fim de três anos de mandato, que completa este sábado, o Presidente da República continua a ser o político português no activo com maiores níveis de popularidade. Mesmo que nos últimos meses possa ter perdido popularidade, de acordo com uma das duas empresas de sondagens que têm analisado regularmente o panorama político português, Marcelo Rebelo de Sousa mantém-se mais popular do que qualquer outro protagonista político em funções, vários pontos acima do segundo da tabela, o primeiro-ministro António Costa.

Isso não significa, no entanto, que esteja livre de críticas, pelo contrário, e hoje são muitas as vozes que acusam Marcelo de se ter tornado um populista, sobretudo pela sua forma como se dirige ao povo. Mas é preciso pedir ajuda à ciência política para perceber as diferenças entre ser popular ou ser um verdadeiro populista.

E aqui, os quatro académicos ouvidos pelo PÚBLICO – Carlos Jalali, António Costa Pinto, Paula do Espírito Santo e Ricardo Paes Mamede - são unânimes: Marcelo Rebelo de Sousa não pode ser considerado um populista. Porque não preenche os requisitos: não fomenta a bipolarização entre “povo” e elite, não quer mudar as regras para se perpetuar no poder, não põe em causa os partidos tradicionais, não propõe soluções simples para problemas complexos. “Uma retórica popular não faz um populista”, resume Carlos Jalali. Mas vamos por partes.

Este professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro começa com um aviso prévio: o conceito de populismo “é um campo altamente minado e complexo”, pois “há cerca de quatro mil artigos científicos sobre isto, dos quais cerca de metade foi publicado nos últimos três anos”. A posição mais comum é caracterizar o populismo em torno da bipolarização entre povo e elites, em que o “povo com aspas não são todos os cidadãos de um país, mas uma concepção de povo que exclui alguns, sejam imigrantes ou de determinada religião”.

Para os populistas, prossegue, esse “‘povo’ deve ter o poder de determinar as opções políticas e retirar esse poder de decisão às elites”, e para isso recorrem a estilos de comunicação radicais e são anti-institucionais. “Os populistas consideram que a democracia representativa é uma forma de constranger esse povo puro”, diz Jalali.

Nesta definição, Marcelo não é um populista: “Ele não está a definir um determinado grupo de povo em oposição a outros, não tem um discurso anti-elite nem contra as instituições”. Ainda assim, Carlos Jalali considera que “algumas das dimensões da sua actuação – a aproximação ao cidadão o uso da emoção - podem ser associadas à retórica populista. Mas isso não faz um populista”, afirma.

Efeito preventivo

O recurso a essas ferramentas tem até - considera Jalali e corrobora Costa Pinto -, um certo efeito preventivo quanto ao surgimento de personalidades e movimentos populistas. “Estilo político é uma coisa, populismo é outra”, afirma Costa Pinto, investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor do ISCTE. Na sua opinião, algumas acções do Presidente “no seu contacto com a sociedade civil, na utilização dos media, que muitas vezes são considerados populistas pelos seus críticos, não o são porque isso é absorvido pelas funções institucionais que desempenha”.

“Perante uma conjuntura marcada pelas crises dos sistemas políticos europeus e a emergência de novos partidos, [Marcelo] tem uma acção autónoma no sentido de pré-ocupar o espaço político dele, enquanto Presidente, em relação a partidos populistas e anti-sistema”, defende. Por outro lado, a sua acção vai no sentido oposto a estes: “Mais do que garantir a estabilidade governamental, ele procura reforçar os partidos políticos tradicionais”.

Estas três dimensões são o anti-populismo, considera Costa Pinto, que defende mesmo que “este Presidente é talvez o mais importante actor político na dinamização da democracia representativa, senão mesmo do seu aprofundamento”. E nessa perspectiva, o Presidente, “tendo em vista os novos desafios, responde de uma forma inovadora às mesmas preocupações dos anteriores Presidentes”.

Da área da Economia Política vem Ricardo Paes Mamede, professor do ISCTE e membro do Conselho Económico Social, defender a mesma tese: “Marcelo Rebelo de Sousa tem consciência que vivemos um momento político arriscado, onde é muito fácil lançar discursos demagógicos, esses sim, populistas para tentar ganhar votos. Estou convencido que há uma acção deliberada, explícita, do Presidente de ocupar esse espaço e não deixar que seja ocupado por outros”.

Mamede considera que Marcelo não pode ser classificado de populista, porque “o populismo propõe soluções simples para problemas complexos e esse não tem sido o sentido da sua actuação”. E Paula do Espírito Santo, professora de sociologia política do ISCSP, também não o enquadra nessas correntes porque “não há uma intencionalidade de gerar uma adesão a políticas de centralização do poder muito para além daquilo que é a democracia representativa, pondo em causa o pluralismo partidário”.

Ambos vêm no discurso e a actuação do Presidente sobretudo uma preocupação de “atrair a atenção da população para assuntos que considera de interesse público”, como diz Paula do Espírito Santo, ou de “ser reconhecido por todos, sejam quais forem as classes sociais ou os grupos socioeconómicos, como um seu representante”, nas palavras de Paes Mamede.

A conclusão comum é que Marcelo, com o seu estilo e a sua popularidade, “está a a acumular capital que pode vir a utilizar mais tarde, tanto na reeleição como em situação de crise política ou ruptura social”, como sublinha Mamede. E isso pode ser necessário mais cedo do que se julga, avisa Jalali: “Pode precisar de toda essa popularidade depois das legislativas de Outubro, porque o cenário do parlamento com uma maioria que não é clara é bastante possível”.

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