Como trocar uma lâmpada, na opinião de dois alemães e um grego?

Wolfgang Streeck, Peter Bofinger e George Papaconstantinou: três opiniões, três análises sobre uma lâmpada europeia que teima em não acender…

Chamo hoje a atenção do leitor para as análises, interessantes e pertinentes, de um sociólogo e dois economistas, dois alemães e um grego, sobre o futuro da União Europeia, em particular, sobre o papel da Alemanha na UE.

O sociólogo alemão Wolfgang Streeck, do Instituto Max Planck, argumenta que a UE é um império liberal, o império europeu que a Alemanha, após duas guerras mundiais, finalmente construiu, baseado não na força militar, mas no poder económico, na persuasão intelectual e na cooptação das elites de cada estado membro, estados que se auto-subjugam num “bloco de estados, organizados de forma hierárquica e mantidos juntos por um gradiente de poder do centro para a periferia”. Uma interpretação da UE que poderá chocará muitos, mas que deverá estar muito próxima da realidade.

Wolfgang Streeck defende que, “como outros impérios”, “a Alemanha considera-se e quer ser considerada como um líder supremo (do grego ‘hegemon’) benevolente que somente promove junto dos seus vizinhos o senso comum universal e virtudes morais, com um custo para si própria que, contudo, vale a pena suportar em benefício da humanidade”.

Argumenta ainda que o império, isto é, a UE, estará a chegar ao fim, não devido a motim ou rebelião dos estados (colónias) da periferia, mas porque o hegemon arriscou demasiado com o alargamento da UE (expansão do império) e porque a própria Alemanha teria dúvidas crescentes sobre os custos do império e as vantagens de o suportar. De acordo com Streeck, o crescimento eleitoral de partidos como o AfD representa o crescimento do nacionalismo alemão, numa perspectiva isolacionista, isto é, de não estar mais preparado para suportar os custos económicos desse império liberal.

Streeck sustenta que o império liberal seria mais instável que impérios militares, porque não está disposto a utilizar força militar para subjugar rebeliões ou movimentos de independência em estados membros.

Como se viu no caso da Grécia e se assiste no presente no caso da Inglaterra, a estratégia para manter o império liberal coeso consiste em criar custos económicos de saída incomportáveis para as elites de cada estado membro. O que significa posições negociais duríssimas, do tipo tudo ou nada, quer se trate de uma economia “insignificante” como a da Grécia, quer se trate da 5ª maior economia do mundo, como a do Reino Unido, mesmo que essa posição negocial tenha elevado custos económicos para o próprio hegemon. Por exemplo, o Reino Unido representa o maior mercado para a indústria automóvel alemã, com vendas de 700 mil carros por ano.

Por seu lado, o economista George Papaconstantinou, antigo Ministro das Finanças da Grécia no governo do Pasok, retira ilações da crise grega e da ameaça de saída da Grécia do euro (“Grexit”) para as negociações do “Brexit”.

Numa análise estranhamente coerente com a do sociólogo alemão argumenta que a estratégia da UE em relação à Grécia foi não ceder nada, impondo custos de saída elevadíssimos e “obrigando” o Governo Syriza, em 2015, após um referendo em que 61% votaram contra a proposta das autoridades europeias, a inverter de direcção, implementando a política económica e orçamental definida pelas autoridades europeias. 

George Papaconstantinou defende que o poder negocial nunca está no estado membro individual. As negociações são sempre do tipo – todos os restantes estados membros contra um – o que significa que não é possível fazer chantagem com a UE e que não é possível dividi-la através de alianças de conveniência.

E argumenta, que apesar da sua maior dimensão, a liderança política do Reino Unido não compreendia a dinâmica política e institucional da UE, adoptando uma estratégia negocial incorrecta, que se baseava na crença errada que a relevância económica do Reino Unido levaria a UE a ceder nas negociações com esse país. Critica ainda a liderança política do Reino Unido por não ter preparado um plano de saída do Reino Unido da UE e por não ter a noção do que poderia ocorrer ao país após a saída da UE.

Em resultado Papaconstantinou defende que o “Brexit”, em vez de “favorecer forças centrífugas”, “reforçou a confiança na UE e no euro”. Ou seja, qualquer líder político de um estado membro periférico da UE considera o exemplo do Reino Unido e ficará com receio de empreender um projecto de saída quer da UE quer do euro. 

Papaconstantinou revela as suas credenciais europeias e alinhamento com as posições do hegemon da UE ao defender que a UE deve resistir à tentação de oferecer ao Reino Unido um “acordo razoável”. A melhor estratégia negocial da UE, defende, seria continuar com uma posição negocial duríssima, sem acordo, se necessário, porque o objectivo, tal como no caso da Grécia, seria manter o Reino Unido na UE. Ou seja, para Papaconstantinou é necessário que o Reino Unido sinta que os custos de saída da UE são incomportáveis.

Finalmente, Peter Bofinger, professor de economia da Universidade de Wurzburgo e antigo membro do conselho alemão de peritos económicos, defende que o SPD deve abandonar a política obsessiva com os saldos públicos orçamentais positivos, argumentando que essa é uma estratégia política retrógrada que prejudica o futuro da Alemanha, bem como as economias europeias e mundial e uma política económica que, devido à falta de fundamentação intelectual, deveria envergonhar a Alemanha, terra de poetas e filósofos iluminados.

Essa obsessão orçamental traduziu-se, no caso da Alemanha, numa emenda constitucional em 2005 que será muito difícil reverter. Mas Bofinger sugere, numa forma de trocadilho, que o vermelho (cor do SPD e cor com que números negativos são com frequência apresentados em relatórios e folhas de cálculo) deve substituir o preto (cor da CDU, e a cor com que números positivos são apresentados). Como se sabe, o actual ministro das finanças da Alemanha é um delfim do SPD e um defensor convicto de saldos orçamentais positivos.

Bofinger argumenta que a Alemanha deveria procurar registar défices públicos de cerca de 1,8% do PIB o que, com crescimento nominal médio de 3% por ano, seria suficiente para assegurar um rácio de dívida pública estável em torno dos 60% do PIB. A Alemanha em 2018 registou um excedente orçamental de 1,7% do PIB, o maior excedente das últimas décadas e, desde 2012, regista saldos orçamentais aproximadamente equilibrados ou excedentários. A dívida pública caiu para 56% do PIB, próximo do valor mínimo das três últimas décadas, 54,7% do PIB, registado em 1995.

Em 2016, Peter Bofinger escreveu um artigo de opinião no Financial Times em que explica a “estratégia de austeridade” e as suas raízes intelectuais alemãs: uma recusa em aceitar a teoria keynesiana e, em particular, a rejeição da tese de que a procura agregada efectiva possa ser relevante para o desempenho económico; e uma estratégia macroeconómica que se baseia em aproveitar (“free-riding”) as políticas orçamentais de gestão da procura de outros blocos económicos para promover o crescimento da própria economia através das exportações.

O problema, segundo Bofinger (numa posição similar à que nesta coluna se tem vindo a defender), é que é demasiado perigoso colocar a Zona Euro a adoptar o modelo mercantilista da Alemanha, porque a economia da Zona Euro é demasiado grande.

Três opiniões, três análises sobre uma lâmpada europeia que teima em não acender…

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