“Brexit” ferroviário

Insistir na bitola ibérica, quando se anuncia o maior investimento da ferrovia nos últimos 100 anos, é um erro capital.

“Tudo ao molho e fé em Deus” poderia ser perfeitamente a imagem em que se transformou a discussão do Plano Nacional de Investimentos 2030, tal a avalanche de anúncios de obras públicas, por parte do Governo, sem a necessária reflexão.

Tudo isto é preocupante, mas mais preocupante é não vermos espelhado neste plano o desenvolvimento e a modernização da ferrovia, nomeadamente sob a forma da bitola europeia.

É sabido que, em toda a Europa, os corredores ferroviários internacionais obedecem às mesmas medidas-padrão, aliás fator decisivo para o aumento da mobilidade e da interoperabilidade entre países, são dotados de comboios modernos, confortáveis e de velocidade alta, não de projetos de alta velocidade, é de todo incompreensível que o Governo português não siga esse padrão, optando por investir em ferrovia no percurso internacional, sim, mas em bitola ibérica de via única.

Mais incompreensível se assume esta opção, sabendo também nós que esta bitola deixará de ser ibérica e passará a ser só portuguesa, pois a partir de 2023 a Espanha irá abandoná-la. Só Portugal ficará com ela, numa espécie de “Brexit” ferroviário. Numa verdadeira e temível ilha ferroviária.

Estamos perante um erro estratégico, que irá irremediavelmente comprometer de forma severa o futuro das nossas empresas, das exportações, da produtividade e competitividade da nossa economia, desperdiçando, inclusive, fundos comunitários que podem chegar aos 85% de financiamento a fundo perdido. Mais: não atende às boas práticas ambientais, nem à propalada transição energética, pois esta solução em nada contribuirá para a retirada milhares de camiões das nossas estradas. Insistir na bitola ibérica, quando se anuncia o maior investimento da ferrovia nos últimos 100 anos, é um erro capital.

Os portos de mar ficarão desligados da Europa. O Porto de Sines não vai ficar ligado à Europa, como afirma o primeiro-ministro. Vai mesmo é ficar apeado do comboio europeu, se não possuir um modo de transporte de mercadorias rápido e de grande capacidade. Sem ele, Portugal não será a porta de entrada das mercadorias que circulam no oceano Atlântico, dirigidas à Europa. Dizem-nos os estudos conhecidos, diz-nos o recente estudo da OCDE acerca da economia portuguesa. Segundo este, o setor portuário nacional só pode “alcançar o potencial máximo” para o setor exportador se existirem “melhores ligações aos serviços internacionais de transporte ferroviário de mercadorias”. “A densidade da rede ferroviária em Portugal é baixa e as ligações ferroviárias entre Portugal e Espanha têm sido demasiado limitadas”, frisa a organização. O estudo vai ao detalhe de identificar problemas como as “diferenças na bitola, o comprimento máximo das composições e o sistema de sinalização”. Somados, são fatores que impedem as ligações entre Portugal e outros mercados chave, como o francês e o alemão.

A Espanha já percebeu a vantagem que tem em manter os portos portugueses isolados do resto da Europa. Por esse motivo, está a apostar numa transformação significativa nos seus transportes ferroviários em bitola europeia.

O Governo insiste em dizer que a Espanha nada está a fazer em bitola europeia. É completamente falso. Os corredores estão a avançar em Espanha, não estão é a avançar para Portugal, pois quanto mais afastados estiverem os nossos portos do centro da Europa, melhor será para as empresas e para a economia espanhola. Não é por acaso a aposta de Espanha na construção de plataformas logísticas (portos secos) próximo das nossas fronteiras (Vigo, Salamanca e Badajoz).

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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