ADSE avisa que há convenções que só podem acabar em 2020

A presidente da ADSE abriu a porta ao diálogo com os grupos que ameaçam deixar o regime convencionado e avisa que as convenções não podem terminar de imediato. Privados dizem que "há espaço" para evitar ruptura.

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Miguel Manso

A presidente da ADSE, Sofia Portela, abriu a porta ao diálogo com os grupos privados de saúde e assegura que ainda nenhum dos hospitais denunciou a convenções com o sistema de assistência na doença da função pública. Mas, caso os privados avancem por esse caminho, avisa, há contratos que só podem ser denunciados no próximo ano. Do lado dos hospitais, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) valoriza a disponibilidade para a negociação e diz que "há espaço" para evitar uma ruptura.

Nas várias entrevistas que deu entre quarta e quinta-feira, a líder da ADSE frisou que cada contrato “é distinto” e “as cláusulas [de denúncia] não são iguais” mesmo nos hospitais de um mesmo grupo. Há contratos que exigem um pré-aviso de 30 dias, outros que estabelecem um prazo de 90 dias, havendo também convenções que se "renovam automaticamente de forma anual".

"Existem hospitais de grande dimensão que apenas poderiam vir a denunciar a convenção para o ano, em 2020", assegurou à Lusa.

Sofia Portela garantiu também que nenhum privado denunciou para já as convenções: “A ADSE não recebeu até aos dias de hoje [quarta-feira] nenhuma denúncia de convenção de nenhum grupo privado. Recebeu ameaças de estes grupos poderem vir a fazê-lo”.

Ainda assim, reconheceu que a José de Mello Saúde, que detém os hospitais CUF, e a Luz Saúde, que tem mais de 30 hospitais e clínicas, suspenderam a marcação de consultas ao abrigo do regime convencionado a partir de 12 e de 15 de Abril.

O grupo Hospital Privado do Algarve confirmou que tem a “intenção de efectivar a denúncia” do acordo com a ADSE e o Grupo Lusíadas Saúde anunciou que “está a analisar opções para a cessação das actuais convenções existentes com a ADSE”.

"Não nos podemos deixar capturar pelos interesses privados"

Nesta quinta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, mostrou abertura para o diálogo com os privados, mas mediante condições. “O que temos neste momento é uma negociação em que uma das partes quer aumentar os seus proveitos. Isso em si não tem nada de ilegítimo, a forma como se actua é que pode ter”, afirmou.

Não nos podemos deixar capturar pelos interesses privados que gostariam de ganhar mais do que aquilo que é razoável ganhar. Temos de manter serenidade e vamos seguramente negociar. Agora, iremos negociar com firmeza. Não podemos aceitar que haja posições abusivas e não podemos negociar a qualquer preço” reforçou ainda o primeiro-ministro.

Costa assegurou ainda que “os cuidados de saúde não estão em causa, estarão integralmente assegurados, assim como a continuidade da ADSE”.

ADSE admite acabar com regularizações

Na origem das ameaças dos privados – que no caso dos grupos Mello e Luz asseguram cuidados a mais de 430 mil beneficiários da ADSE – estão várias questões, mas a principal tem a ver com a regularização retroactiva de facturas.

Na entrevista que deu à SIC Notícias, Sofia Portela, assegurou que a ADSE está a trabalhar para estabelecer limites máximos aos medicamentos, próteses e cirurgias para que a regularização retroactiva de facturas deixe de ser necessária.

“É um trabalho muito sério, muito rigoroso que a ADSE tem vindo a desenvolver, para que se estabeleçam preços que sejam justos”, afirmou. “A partir do momento em que esses preços estejam estabelecidos, e que está para muito breve, a regra das regularizações cai porque deixa de haver preços abertos”, concluiu.

Estas declarações vêm dar resposta a uma das principais exigências dos privados, mas não é certo que sejam suficientes para estancar a crise e evitar que eles deixem a rede da ADSE.

Quanto aos 38 milhões de milhões de euros facturados a mais em 2015 e 2016, Sofia Portela diz que o processo, iniciado em Dezembro do ano passado, ainda está em curso.

O prazo dado aos privados para se pronunciarem sobre os valores que a ADSE exige termina no final de Fevereiro e Sofia Portela admite que o valor possa ser ainda reduzido depois deste período de pronúncia.

“Neste momento estamos numa fase em que os prestadores se estão a pronunciar e a fazer prova de facturas, para que a ADSE tome decisões sobre um valor final. Mas este valor de 38 milhões até pode vir a ser reduzido”, admitiu.

Privados: "há espaço" para evitar ruptura

A Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) valoriza as declarações do primeiro-ministro e da presidente da ADSE e assegura que “ainda há espaço” para os grupos voltarem atrás relativamente ao fim das convenções. 

“Foi uma intervenção positiva do primeiro-ministro e veio na linha dos últimos dias como as declarações do Presidente da República no sentido do diálogo”, disse Óscar Gaspar, presidente da APHP, no final de uma reunião com deputados do CDS e do PSD.

"Com certeza que há espaço” para os hospitais privados recuarem na decisão de cessar a prestação de serviços ao abrigo da ADSE, assegurou. “A Associação sempre esteve aberta para o diálogo, e aquilo que nos espanta é que, de facto, tenha havido apenas silêncio do lado da ADSE, pelo menos desde Outubro”, referiu.

Óscar Gaspar salientou ainda que, “se a ADSE quiser negociar, embora de forma firme, como disse o senhor primeiro-ministro, e de forma muito correcta, obviamente que há condições” de chegar a “uma convenção que seja equitativa e transparente” na óptica dos hospitais privados.

O dirigente colocou como um dos pontos centrais nas negociações a revogação do princípio das regularizações e um entendimento sobre uma convenção “equilibrada”. Quanto à devolução de 38 milhões de euros exigida pela ADSE aos hospitais privados, Óscar Gaspar defende que “a questão tem de ser discutida”, já que “é impensável que tenha de se restituir” valores que correspondem a preços que em alguns casos estão “abaixo” do custo.

Champalimaud e Prelada podem receber mais beneficiários

A ADSE tem procurado assegurar que há alternativas à eventual saída dos grandes grupos privados do regime convencionado. O sector social e outros hospitais fora dos grandes grupos, alguns dos quais já têm convenções com o sistema, podem ser alternativa.

Tal como o PÚBLICO noticiou, tanto o Hospital da Cruz Vermelha como as misericórdias estão disponíveis para reforçar a colaboração que já têm com a ADSE.

Nesta quinta-feira, a Santa Casa da Misericórdia do Porto mostrou-se disponível para alargar em pelo menos 20% o acordo com a ADSE.

"Hoje temos um acordo que se conseguíssemos aumentá-lo em 20%, 30% teríamos capacidade para isso e até para chegar um bocadinho mais longe em função da própria disponibilidade da ADSE", disse à Lusa o provedor da instituição, António Tavares.

Desde Abril do ano passado que os beneficiários da ADSE podem aceder a todos os serviços do Hospital da Prelada, gerido pela Misericórdia do Porto, ao abrigo da convenção firmada entre as duas entidades.

António Tavares adiantou que da parte da Misericórdia do Porto existe "uma grande disponibilidade" para aprofundar este relacionamento, alargando a convenção a mais especialidades.

A instituição tem também o Centro Hospitalar Conde Ferreira, "mais vocacionado para a área da psiquiatria e da psicologia e as demências, que é um problema que começa a afligir um bocadinho a sociedade devido ao envelhecimento das pessoas", adiantou.

Também a Fundação Champalimaud, que recebeu no ano passado cerca de oito mil doentes da ADSE (cerca 20% do total dos doentes tratados na instituição), admite conseguir absorver alguns beneficiários da ADSE provenientes de hospitais que suspendam as suas convenções.

"A convenção [com a ADSE] está a funcionar em termos normais. O que precisamos de discutir com a ADSE, discutimos tranquilamente. Não temos intenção de provocar qualquer tipo de alteração", afirmou Leonor Beleza, presidente da Fundação, numa altura em que três grandes grupos privados ameaçam suspender a convenção com o subsistema de saúde dos funcionários públicos. Com Sofia Rodrigues e Sónia Sapage

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