Haja autarcas à altura

Deverá ser a grande reforma estrutural do Estado do Governo de António Costa, que irá transformar a administração pública.

Termina neste sábado o prazo para as câmaras municipais declararem quais as primeiras competências que aceitam ou rejeitam da administração central. Em Abril, poderão ser assumidas outras no domínio da educação e da saúde. Entrada em vigor em 2019, a descentralização de competências e recursos financeiros deverá processar-se gradualmente ao longo de três anos. O objectivo é que, após as próximas autárquicas, em 2021, exista um mais amplo quadro de poderes e responsabilidades das novas autarquias eleitas.

Inicia-se, na prática, aquela que deverá ser a grande reforma estrutural do Estado feita pelo Governo de António Costa, que irá transformar a administração pública e torná-la mais próxima dos cidadãos. Foi preparada ao longo de três anos pelo ministro Eduardo Cabrita, primeiro como adjunto do primeiro-ministro, depois com a pasta da Administração Interna, para onde transitou em final de 2017, levando o dossier, a Secretaria de Estado das Autarquias Locais e o respectivo secretário de Estado, Carlos Miguel. Eduardo Cabrita negociou com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e com a Associação Nacional de Freguesias, os representantes das autarquias a quem cabe dialogar com o Governo neste domínio.

À negociação com os representantes do poder local somou-se mais um acordo entre o Governo e o líder do principal partido da oposição, nas pessoas de António Costa e Rui Rio. Uma negociação importante em que o PSD, representado por Álvaro Amaro, presidente dos Autarcas Social-Democratas, conseguiu garantir o gradualismo no tempo, bem como a possibilidade de as competências não serem transferidas em bloco, e as câmaras poderem escolher quais e quando as recebem, até 2021.

A legislação aprovada pela Assembleia da República e pelo Governo — esta última confirmada pelo Parlamento — transfere competências para as câmaras, freguesias e comunidades intermunicipais, com o respectivo valor financeiro, bem como o direito a cobrar receitas em alguns casos. São competências múltiplas que incidem em áreas como o atendimento ao cidadão, o policiamento de proximidade, a protecção civil, a gestão de praias, dos jogos, do estacionamento público, das vias de comunicação. Incluem a gestão, manutenção e construção de habitação e a administração do património, assim como a gestão de edifícios públicos e museus e o licenciamento de espectáculos.

É transferida também a gestão da acção social, a segurança alimentar, a protecção e saúde animal (animais de companhia e licenciamento de estabelecimentos industriais agro-alimentares). Mas igualmente competências de peso na área da saúde e da educação, em que as câmaras passarão a gerir e a responsabilizar-se pela construção e manutenção dos edifícios e, no caso das escolas, pelo pessoal não docente. E ainda a justiça, o apoio a bombeiros voluntários, a promoção turística, os fundos europeus e captação de investimento, competências que deverão ser partilhadas com as entidades intermunicipais.

Vários têm sido os municípios que preferem esperar para conhecer as condições concretas, e várias assembleias municipais têm assim votado o adiamento do seu início, o que é perfeitamente viável, pois têm até 2021 para completar essa mudança administrativa. Porém, tem havido câmaras que começaram já a aceitar pelo menos algumas das competências sectoriais. À cabeça neste caso, pela sua dimensão, está a de Lisboa. Como o PÚBLICO noticiou, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou que a câmara assuma perante o Governo a transferência da gestão das estradas, das lojas do cidadão, dos fogos de habitação e do património imobiliário. E que receba desde logo a gestão da justiça, do estacionamento, das praias, dos jogos e o apoio aos bombeiros voluntários.

Muitos dos municípios que recusaram por agora fizeram-no por desconhecimento do processo e por receio de virem a assumir responsabilidades para os quais pensam não estar preparados. Provavelmente, o medo de não receberem dinheiro suficiente para os novos encargos é um factor primordial para esta recusa. Tanto mais que os modelos variam consoante as competências, e enquanto há algumas que até resultarão em aumento de receitas, outras há que assumirão pesados envelopes financeiros transferidos do Orçamento do Estado central para o local, como a saúde e a educação.

No prazo de dois ou três anos, estes temores e este desconhecimento ir-se-ão desvanecendo, e a reforma da máquina do Estado será uma realidade institucionalizada. A descentralização transformará a face do poder do Estado e irá aproximá-lo das pessoas. Assim haja autarcas à altura de desempenharem com ética, rigor e sentido de Estado as suas novas competências na preservação do interesse da comunidade. Este será, muito provavelmente, o verdadeiro legado do Governo de António Costa.

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