Trump perde braço-de-ferro com Pelosi e adia discurso do Estado da União

Depois de sugerir o adiamento por causa do shutdown, a líder da Câmara dos Representantes informou o Presidente que não iria convidá-lo. Discurso será feito "num futuro próximo", disse Trump.

Foto
Reuters/KEVIN LAMARQUE

No meio da grande batalha política à volta do encerramento de várias agências e departamentos públicos norte-americanos, que vai no seu 34.º dia consecutivo, o Presidente Donald Trump e a líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, envolveram-se numa outra luta, sobre o emblemático discurso do Estado da União. E, neste caso, Trump foi o primeiro a atirar a toalha ao chão: esta quinta-feira, o Presidente norte-americano reconheceu que não tem condições para discursar terça-feira na Câmara dos Representantes e adiou o acontecimento para "um futuro próximo".

Em causa está o discurso do Estado da União, uma mensagem que os Presidentes norte-americanos têm de enviar às duas câmaras do Congresso "de tempos a tempos", segundo a Constituição dos EUA.

O objectivo é que os legisladores eleitos pelo povo sejam informados regularmente sobre o estado do país e sobre as propostas do Presidente.

Essa mensagem pode ser enviada por carta, tal como aconteceu no primeiro século após a independência dos Estados Unidos.

Mas a tradição mudou no início do século XX – desde essa altura, a norma é que os Presidentes norte-americanos se desloquem à Câmara dos Representantes, em Janeiro, e leiam o seu discurso perante senadores e congressistas.

Com a difusão da rádio, primeiro, e depois com o aparecimento da televisão, os discursos do Estado da União começaram a ser transmitidos em directo para todo o país e tornaram-se num dos mais importantes momentos mediáticos da política norte-americana.

É por isso que o discurso deste ano foi atirado para o meio da confusão que levou ao encerramento parcial de algumas agências e departamentos públicos (o shutdown).

"Fardo muito pesado"

No dia 3 de Janeiro, quando o shutdown ia no seu 13.º dia, a líder da Câmara dos Representantes convidou o Presidente Trump para discursar na câmara – os Presidentes podem entrar e permanecer no local, mas só podem dirigir-se aos congressistas depois de um convite formal.

Mas à medida que o shutdown se foi arrastando, forçando 800 mil funcionários públicos a ficarem em casa ou a trabalharem sem salário, Nancy Pelosi decidiu sugerir a Donald Trump que adiasse o discurso, que tinha sido agendado para 29 de Janeiro. Segundo Pelosi, um discurso na Câmara dos Representantes durante um shutdown seria "um fardo muito pesado" para os agentes dos serviços secretos, que também estão a ser afectados pela falta de salário.

Pelosi escreveu essa carta em tom de pedido, mas a Casa Branca sabia que era um aviso: se o Presidente não aceitasse adiar o discurso, a líder da Câmara dos Representantes iria deitar para o lixo o convite feito no início do ano.

Esta quarta-feira, uma semana depois dessa carta e enquanto Trump continuava a dizer que iria discursar a 29 de Janeiro nem que fosse noutro local qualquer, Pelosi cumpriu a sua ameaça.

"Escrevo-lhe para o informar que a Câmara dos Representantes não vai discutir uma proposta para autorizar o discurso do Presidente sobre o Estado da União na Câmara dos Representantes até que o governo seja reaberto", disse Nancy Pelosi.

Poucas horas depois, Donald Trump reconhecia no Twitter que essa decisão é uma "prerrogativa" da líder da Câmara dos Representantes e anunciava o adiamento do seu discurso.

"Durante o shutdown, Nancy Pelosi convidou-me para fazer o discurso do Estado da União. Depois mudou de ideias por causa do shutdown, pedindo-me que o adiasse. É uma prerrogativa dela – farei o discurso quando o shutdown acabar", anunciou Trump.

Ao contrário do que alguns dos seus conselheiros sugeriram nos últimos dias, o Presidente decidiu que não vai fazer o seu discurso no Senado, na Casa Branca, num comício ou na fronteira com o México: "Não estou à procura de um local alternativo para o discurso porque não há nenhum local que possa competir com a história, a tradição e a importância da Câmara dos Representantes."

Shutdown sem fim à vista

Esta quinta-feira, ao fim de um mês, o Senado norte-americano vai finalmente discutir e votar duas propostas para reabrir várias agências e departamentos públicos e permitir que 800 mil funcionários voltem a receber os seus salários. Essa é a boa notícia, mas neste caso há também uma péssima notícia: basta olhar para a divisão de forças no Senado para se perceber que nenhuma das propostas vai ser aprovada.

Em cima da mesa vai estar uma proposta do Partido Republicano que reflecte as ideias apresentadas na semana passada pelo Presidente Donald Trump: aprovar um orçamento com 5,7 mil milhões de dólares para o início da construção de um muro na fronteira com o México, em troca de três anos de protecção para um milhão de imigrantes – 700 mil que chegaram ao país quando eram crianças (conhecidos como "dreamers") e 325 mil que têm uma protecção temporária especial, a maioria da América Latina.

Para o Partido Democrata, a principal contrapartida do Presidente Trump é inaceitável porque os "dreamers" estavam protegidos da deportação mediante uma directiva aprovada pelo Presidente Barack Obama, que tinha de ser renovada de dois em dois anos.

Do outro lado, o Partido Democrata vai propor algo muito semelhante ao que tem sido recusado pelo Presidente Trump e pela liderança do Partido Republicano desde que o shutdown começou, no dia 22 de Dezembro: aprovar um orçamento provisório, até 8 de Fevereiro, para que as agências possam ser reabertas, em troca do compromisso de negociar uma solução mais duradoura nas próximas duas semanas.

Apesar de esta votação significar que as duas partes começaram a avançar, já que é preciso um acordo bipartidário para discutir e votar propostas deste tipo, a verdade é que o resultado final não vai mudar nada. Para que uma das propostas fosse aprovada, teria de receber os votos de uma maioria de 3/5, ou 60 senadores – numa altura em que o Partido Republicano tem 53 senadores e o Partido Democrata tem 47.

Em causa estão as divisões sobre a promessa de Trump de construir um muro na fronteira com o México para reforçar o combate à imigração ilegal. O Presidente exige que o Partido Democrata desbloqueie 5,7 mil milhões de dólares para o início dessa construção, mas o Partido Democrata diz que o muro é "imoral" e pouco eficaz no combate à imigração ilegal – em alternativa, os democratas propõem um aumento do financiamento para a compra de novas tecnologias e outras soluções.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários