Silvano e a "letra que tem que bater com a careta"

Em matéria de credibilidade dos políticos, "a letra tem que bater com a careta". No caso de Silvano e outros, não bate.

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A vida política nacional é tantas vezes uma anedota ridícula que só pode ser do domínio do miraculoso o facto de Portugal ter estado, até agora, imune a populismos extremos organizados em partidos, como aconteceu em Itália, na Andaluzia e está a acontecer em França, onde Marine Le Pen lidera, com sete pontos à frente do partido de Macron, as sondagens para as europeias. 

O último momento cómico pode ter passado vagamente despercebido: José Silvano, o secretário-geral do PSD que está a ser investigado pelo Ministério Público por ter assinado a folha de presenças na Assembleia da República quando se encontrava fora do plenário, foi ao Internacional Club de Portugal falar sobre "credibilidade" da política. O facto de ser um - entre vários - deputados que neste momento têm a imagem nas ruas da amargura não o abalou. A autoconfiança de José Silvano e dos restantes presentes-ausentes é à prova de bala: o bunker onde vivem é resistente a tudo, principalmente à realidade. 

E o que disse José Silvano? "Só podemos passar uma imagem para fora, se dentro da nossa casa também temos credibilidade. Chama-se política do exemplo". O secretário-geral do PSD foi capaz de produzir a afirmação rotunda sem se rir. Ele não sabe, não percebeu, ninguém lhe disse - e também não houve uma alma que o tivesse comunicado a Rui Rio, que se mantém inerne - que a credibilidade dos deputados voadores é, a estas horas, uma inexistência.

Mas Silvano invoca como razão para o seu banho vocal de ética o presidente do partido, porque "a letra tem que bater com a careta" [sic]. A "careta", supõe-se pelo evoluir do discurso, é de Rui Rio: "Se o líder tem credibilidade, temos de adaptar o partido a essa credibilidade, senão nada bate certo".

O facto de a coisa não estar nada a bater certo, a começar pela sua própria actuação no Parlamento, não aflige Silvano. Ele está acima disso, presume-se. O "bater certo" não é para ele. De resto, o PSD tem um pacote de alterações - a que Silvano chama "mudar a mercearia" - que inclusivamente aponta para a expulsão em casos como o seu. E Silvano apoia as sanções, desde que se distinga "os dois registos informáticos, o das presenças em plenário e o de acesso ao computador para outros fins", como escreveu o PÚBLICO na sua edição de sábado.

É verdade que o bode expiatório da presença ausência de José Silvano foi uma deputada que se autoproclamou minhota e infoexcluída e que tinha acesso à password do secretário-geral - deve ser aqui que entra a alínea "outros fins". O problema de José Silvano é que, em matéria de credibilidade dos políticos, "a letra tem que bater com a careta". No caso de Silvano e outros, não bate. Que ninguém acima perceba isto dá o tom do estado de zombieland onde vivem os políticos portugueses.

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