Medidas de Macron não calam protestos e dão munições a Itália

Muitos franceses vão continuar nas ruas nos próximos dias, descontentes com a resposta do Governo aos protestos dos "coletes amarelos". E em Roma pede-se que Bruxelas abra um processo contra a França por défice excessivo em 2019.

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Um grupo de coletes amarelos assistindo à comunicação ao país de Macron, em La Ciotat, perto de Marselha Jean-Paul Pelissier(REUTERS

Nas horas que se seguiram ao anúncio de um aumento no salário mínimo e outras medidas para acalmar os protestos dos Coletes Amarelos, em França, o Governo de Emmanuel Macron multiplicou-se em intervenções públicas para tentar convencer o país de que a sua resposta à crise foi “enorme”, como disse o primeiro-ministro, Édouard Philippe, no Parlamento.

Mas do outro lado, entre os milhares de manifestantes que têm saído às ruas todos os sábados desde 17 de Novembro, há quem não veja razões para despir os coletes e regressar a casa. E enquanto o primeiro-ministro explicava as medidas aos deputados, nas redes sociais marcavam-se novas manifestações para sábado — o “Acto V” de um protesto nacional sem intermediários e com reivindicações que foram crescendo para além das preocupações com o imposto sobre os combustíveis ou com o salário mínimo.

Jacline Mouraud, uma compositora e hipnoterapeuta de 51 anos que é apontada como a principal fonte de inspiração para os milhares que saíram às ruas nas últimas semanas, disse ter chegou a hora do diálogo e que é preciso “aproveitar a porta aberta”. “Agora temos de sair desta crise, não podemos passar o resto das nossas vidas em rotundas”, disse Mouraud.

Outros manifestantes, do Norte ao Sul do país, dizem que as medidas apresentadas por Macron estão longe de os satisfazer — acima de tudo, não acreditam que o Presidente tenha sido sincero ao admitir a sua responsabilidade na actual crise.

“Vê-se que ele não é sincero, é tudo um jogo de espelhos”, disse ao jornal Guardian um manifestante em Le Boulou, perto da fronteira com Espanha. Outro “colete amarelo”, mais a Norte, disse à agência AFP que Macron limitou-se a “pôr um penso rápido numa queimadura de terceiro grau”.

Na segunda-feira à noite, depois de uma reunião com representantes de partidos políticos e de sindicatos — e três dias depois de uma reunião com o ex-Presidente Nicolas Sarkozy, apenas revelada esta terça-feira —, o Presidente Macron comunicou ao país quatro medidas para tentar acalmar os protestos dos Coletes Amarelos.

Aumento indirecto

A principal medida foi apresentada como se se tratasse de um aumento de 100 euros por mês no salário mínimo, a partir de Janeiro.

Na verdade, não se trata de um aumento no valor fixo do salário, mas sim de uma antecipação de aumentos prometidos pelo Governo Macron durante a campanha, e que incidem sobre uma parcela variável — um prémio que varia consoante os rendimentos do agregado familiar e que tem de ser pedido pelos trabalhadores, não sendo atribuído de forma automática. Segundo os números do jornal Le Monde, em 2016 este prémio foi pedido por cerca de 70% dos trabalhadores, “devido, em parte, a falta de informação”.

Na prática, quem recebe o salário mínimo, ou um pouco acima disso (até 1500 euros por mês), poderá começar a receber em 2019 a totalidade dos aumentos que estavam programados para os próximos anos (um total de cerca de 100 euros) — com a ressalva de que este prémio está isento de impostos e não conta para cálculo de reforma ou indemnizações por despedimento. É também por incidir sobre esta parcela (paga pelo Estado) que Macron pode dizer que os empregadores “não vão pagar um euro” por este aumento.

Para além deste aumento, foi também retirado de cima da mesa uma subida da taxa de contribuição social nas reformas inferiores a 2000 euros por mês, uma medida que o ministro das Finanças e da Economia, Bruno Le Maire, considerava essencial.

“O aumento da CSG [contribuição social generalizada] é o que nos permite financiar um aumento real do salário de todos os trabalhadores”, dissera o ministro poucas horas antes de o Presidente Macron ter anunciado o fim da medida.

Macron anunciou também o fim de taxas e impostos sobre as horas extraordinárias e apelou às grandes empresas que paguem aos seus trabalhadores um prémio no fim do ano, livre de impostos. A multinacional Publicis já anunciou que vai pagar 1000 euros a quem tem um salário inferior a 2500 euros e a Orange também disse que vai premiar os seus funcionários no final do ano.

As discussões em França viraram-se agora para a factura que o país terá de pagar para concretizar as medidas anunciadas por Macron — e que, mesmo assim, não garantem o fim da crise social no país.

Ao todo, a resposta do Governo deverá custar ao país 10 mil milhões de euros, o que atira as previsões do défice para 2019 de 2,8% para 3,4%, segundo o ministro responsável pelo Orçamento, Gérald Darmanin. Durante o debate no Parlamento, os governantes disseram que a previsão de 3,4% não é a final, porque vão ser apresentadas medidas de corte de despesa.

Itália à espreita

Mesmo que fique abaixo da pior previsão, ficará acima dos 3% exigidos por Bruxelas — o que está a ser aproveitado pelo Governo italiano para justificar as suas próprias medidas de aumento do défice.

“Os gastos de Macron vão encorajar Salvini e Di Maio”, disse à Bloomberg Giovanni Orsina, da Universidade Guido Carli, em Roma. “Macron devia ser o ponta-de-lança das forças pró-euroeístas, mas se até ele se vê forçado a desafiar as regras da UE, Salvini e Di Maio vão aproveitar-se disso para reforçarem os seus argumentos contra essas regras.”

Ao fim da tarde, o vice-primeiro-ministro italiano do 5 Estrelas, Luigi Di Maio, veio dizer que as medidas anunciadas por Macron vão “agravar o défice” francês e disse que a Comissão Europeia “também devia abrir um processo contra a França, se é que as regras se aplicam a todos”.

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