Como se sobrevive a um quiz sobre vinhos?

Na última sexta-feira de cada mês, no 100 Maneiras Bistro, os almoços são uma oportunidade para testar os nossos conhecimentos sobre vinhos. E, eventualmente, passar uma vergonha.

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Fabrice Demoulin_100 Maneiras

Tudo depende da autoconfiança de cada um, claro, isso já sabemos. É rodar o copo, meter o nariz lá dentro, se possível levantar uma sobrancelha, fazer um ar entendido e dizer com segurança: “É um Bairrada de 94”. Mas, para isso, convém já ter conseguido espreitar a garrafa antes, reduzindo em muito a possibilidade de se fazer figura de urso.

O problema é que nos almoços Fora da Caixa (última sexta-feira do mês no 100 Maneiras Bistro, integrados no ciclo Fora da Casta) não temos mesmo hipótese de fazer batota. Bem tentámos passar algumas rasteiras ao pessoal da sala, mas pareciam todos muito bem treinados e não houve pergunta espertinha que os apanhasse distraídos. O máximo que conseguimos foi: “Posso dizer-vos que este vinho é branco."

Bem, se era branco ou tinto também nós conseguíamos ver, mas como é que isso nos ia ajudar a responder ao quiz que tínhamos à frente, aquela simpática folhinha que nos deram quando nos sentámos à mesa? Por entre sorrisos embaraçados, cada um procurava dar o seu melhor.

Mas seria o primeiro vinho, que acompanhava a entrada, do Dão ou da Costa Vicentina? (tínhamos já decidido excluir os Vinhos Verdes e Mosel). E, mesmo que acertássemos aí (sempre tínhamos 25% de hipóteses de o conseguir, certo?), será que depois iríamos acertar na casta? Alvarinho parecia uma boa aposta, mas seria mais seguro se na anterior tivéssemos escolhido os Vinhos Verdes. Ou arriscávamos no Sauvignon Blanc?

Ok, talvez deixando esta para mais tarde e saltando para a pergunta seguinte: a nota predominante no olfacto seria floral, cítrica, tropical ou herbácea? Vá lá, nós conseguimos responder a isto. Mas a confusão instala-se na mesa. Cada um tem uma opinião e não há autoconfiança que resista. Floral, sim, decididamente floral. Ou então tropical, como assegurava um dos nossos companheiros de mesa. Raios, a pergunta seguinte não ajudava em nada ao pedir-nos para distinguirmos três sabores no palato. Aí perdemo-nos definitivamente entre os que não tinham dúvidas de sentirem maçã verde, os que se inclinavam para a flor de laranjeira e até os que arriscavam no ananás. Mais uma gracinha para tentar apanhar o sommelier distraído, mas sem sucesso.

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Fabrice Demoulin_100 Maneiras

Prato seguinte, novo vinho. Tentamos ouvir o que se diz nas outras mesas onde há quem tenha ar de especialista a sério. Mas não, afinal estão tão perdidos como nós. Lá vamos, então. Solos. Solos? A sério? Bem, são quatro hipóteses, voltamos à esperança dos 25%. Granítico, argilo-calcário, vulcânico ou xistoso? Concordamos no vulcânico e estamos já a caminho dos Açores, com uma extraordinária recuperação da confiança.

Mas tropeçamos logo de seguida por cima de umas barricas. É que não fazemos a mais pequena ideia se o vinho terá fermentado em carvalho francês ou em carvalho americano (decidimos pelo menos excluir a talha e, talvez, as cubas de inox). E ainda nos falta perceber se a acidez é média, alta ou fraca e se o clima é de influência continental, marítima ou mediterrânica, ou se estamos em vinhas de altitude.

O que vale é que vamos bebendo (e comendo) e a certa altura já pouco importa se dizemos grandes disparates. O objectivo do almoço foi alcançado: estamos a divertir-nos à grande rindo da nossa própria ignorância partilhada. No terceiro vinho, surpreendentemente, parece que acertamos mais respostas, mas é apenas a acalmia antes da tempestade porque é com o vinho de sobremesa que nos espalhamos ao comprido. Sabemos que não é Madeira nem Jerez, mas entre o tranquilo e a estranha hipótese de “champanhe velho” já ninguém sabe bem o que diz (é verdade que não tem bolhinhas, e então?). Mas a rabanada que nos servem é tão boa que, de cabeça perdida, nos atiramos para a hipótese “champanhe velho”.

Bom, apesar de ser sexta-feira, isto é apenas um almoço e há que voltar ao trabalho à tarde. Antes disso, contudo, a humilhação final: uma passagem pela garrafeira para olharmos nos olhos as garrafas que bebemos. Já não há nada a fazer porque antes disso entregámos a folha do quizz devidamente preenchida.

E então? Foi muito mau? Partilhamos só um segredo, seguros de que não sairá daqui: o vinho de sobremesa, aquele que num momento de loucura identificámos como champanhe velho, era na realidade o mesmo que o segundo vinho que tínhamos bebido, a acompanhar o peixe. Com duas pequenas diferenças: tinha sido servido a uma temperatura superior e num copo diferente. O que dizer?

Os almoços Fora da Casta acontecem todas as sextas-feiras no 100 Maneiras Bistro, no Chiado, em Lisboa. Há sempre vinhos de um produtor diferente em provas organizadas pelos sommeliers do restaurante. As últimas sextas-feiras de cada mês têm o Fora da Caixa – e é nestes que há quiz e provas cegas. Sempre com um menu criado por Ljubomir Stanisic e a sua equipa, a partir dos vinhos que foram escolhidos.

Os almoços vínicos têm um custo de 40 euros por pessoa, com vinhos incluídos (máximo 25 pessoas).

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