O caos criativo dos Mouse On Mars está em Lisboa

Uma experiência tecnológica e uma experiência ao nível das interacções sociais. É assim que o alemão Jan St. Werner descreve o excelente álbum que os Mouse On Mars lançaram este ano e que, esta quarta-feira, apresentam na Culturgest em Lisboa, na companhia de vários músicos e robôs.

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Os alemães Mouse On Mars, com um percurso de 25 anos, não são propriamente conhecidos por afirmarem ideias musicais rotineiras. Mas talvez nunca tenham ido tão longe como em Dimensional People, o excelente álbum lançado este ano, que vêm apresentar ao vivo esta quarta-feira à Culturgest, em Lisboa. “Sim, mesmo para os nossos padrões, este foi um projecto louco e algo caótico em que nos envolvemos”, ri-se Jan St. Werner, quando lhe perguntamos ao telefone as razões para embarcarem numa aventura com contornos de novidade.

“Por um lado pode ser um disco e espectáculo que surpreenderá quem nos conhece há muito tempo, mas por outro não é menos verdade que uma certa ideia de anarquia sempre esteve presente naquilo que fizemos, daí que isto seja a continuação desse desvario criativo”, reflecte Jan St. Werner que, na companhia de Andi Toma, tem conduzido a nave Mouse On Mars por 13 álbuns de originais. “O elemento experimental sempre nos interessou, gostamos de mudar de som de disco para disco. Não faço ideia o que poderá ser o ‘som Mouse On Mars’, porque nunca nos interessou ter um”, ri-se ele, “mas é verdade que, no final de todos os processos, existe qualquer coisa que emerge e que reconhecemos como nosso. E neste caso isso voltou a acontecer, por mais incrível que pareça.”

A ênfase de Jan é fácil de explicar. É que a feitura do álbum foi tudo menos convencional. “Houve sessões com orquestra, com robôs percussionistas, com músicos das mais diversas proveniências e também utilizámos apps para telemóvel da nossa autoria ou novas técnicas tecnológicas, nomeadamente ao nível do som, com um sistema de multi-canais que gera novas opções de distribuição do som pelo espaço físico, o que nos permite também ao vivo pensar um espectáculo sem um centro definido. De alguma forma acabou por ser toda uma experiência tecnológica, mas também foi uma experiência ao nível das interacções e relações sociais, porque de repente confrontámo-nos com pessoas que resolveram participar em toda esta loucura sem saberem no que ia resultar daqui, e essa abertura, essa disponibilidade, é também uma lição hoje em dia.”

O álbum foi trabalhado em Berlim, onde a dupla reside, mas também no Wisconsin, nos Estados Unidos, onde permaneceram durante algum tempo em estúdio, perto de um festival onde actuaram. Foi nesse contexto que acabaram por registar várias sessões de gravação com músicos que aí foram encontrando. E é assim que, de forma algo surpreendente, nos créditos do disco surgem nomes como Justin Vernon (Bon Iver), Bryce e Aaron Dessner (The National), Zach Condon (Beirut) ou Spank Rock e Amanda Blank, ou o Ensemble Musikfabrik, um colectivo de música clássica sediado em Colónia. Depois, em estúdio, acabaram por editar, misturar e recompor toda a panóplia de fontes registadas, entre vozes, cordas, sopros, percussões, guitarras ou electrónicas diversas.

“É como se tivéssemos criado uma plataforma que possibilitou a uma série de gente, e a nós próprios, mostrar a suas diferenças num contexto de colaboração e de encontro, para lá dos géneros que cada um aborda, ou do facto de serem muito dotados tecnicamente ou não. O que nos interessou em tudo isto foi poder estar em colectivo de uma forma igualitária”, explica Jan. “E mesmo sabendo que numa situação de espectáculo existe uma barreira entre palco e plateia, esperamos que emocionalmente ela possa ser suplantada e que essa ideia de comunidade emerja.”

O espectáculo que vêm agora apresentar, e que também tem diversos formatos, acaba por traduzir todo este sincretismo, resultando daí uma música que é, por vezes, profundamente física e rímica, e noutras, espacial e sensorial. Em palco, para além dos dois Mouse On Mars, estarão mais três músicos e robôs percussionistas, para uma panóplia infindável de sobreposições, emoções e sonoridades das quais reconhecemos alguns traços – de novas músicas urbanas ao minimalismo, do krautrock alemão às polirrítmicas africanas – mas de que resultam enunciados novos.

“O nosso espectáculo tenta ser uma festa imaginária para o qual todos estão convidados. É uma espécie de musical, onde estão em evidência interacções entre humanos, entre a nossa identidade e a de outros, entre qualquer coisa que somos nós e outra que nos é exterior, e que é no fundo o que faz de nós todos seres humanos”, reflecte ele.

Na sua visão, este é o álbum menos tecnológico que os Mouse On Mars alguma vez criaram, “porque foi muito baseado em conhecer pessoas e discutir ideias com elas": "É um disco social. São pessoas a ouvirem-se umas às outras.” E no entanto, reconhece, “toda a aproximação é profundamente tecnológica", porque houve "robótica, software e tecnologias de gravação muito avançadas". "Mas não nos parece que seja uma contradição. Tudo isto faz imenso sentido para nós.”

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