Como se fosse a primeira vez

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Seis anos depois do último álbum e vinte depois da estreia, os alemães regressam hoje a Portugal, no contexto do festival Semibreve em Braga, para apresentar Parastrophics, o álbum onde tentam recuperar a candura dos primeiros tempos.

E de repente passaram vinte anos. A dupla alemã Andi Toma e Jan St. Werner resolveu iniciar um projecto musical conjunto por volta de 1992, numa das alturas mais criativas de sempre para as músicas electrónicas. Tudo parecia novo e os discos estimulantes sucediam-se a uma velocidade vertiginosa. Hoje, olhando em redor, constata-se que não existem muitos projectos desse período que tenham sobrevivido ao tempo com a mesma desenvoltura que eles.

Hoje, em Braga, no contexto do festival Semibreve, o duo alemão actua no Theatro Circo (numa noite onde estarão também presentes as duplas Roly Porter + Flicker e Emptyset + Joanie lemercier, enquanto amanhã será a vez de Ben Frost e Ryoji Ikeda), para mostrar o mais recente álbum Parastrophics, e também para regressar a temas dos seus nove álbuns de originais anteriores.

Promiscuidade

Durante a década de 1990 a dupla era conotada com a efervescente cena alemã electrónica de Colónia e Dusseldorf, mas nos últimos anos fixou-se em Berlim. "Saímos de Colónia há oito anos, estive alguns anos em Amesterdão, onde trabalhei no Instituto de Música Electrónica local e finalmente acabei em Berlim com a minha família, em grande parte porque é aí que podemos tocar com mais assiduidade. Foi também aí que criámos este disco", afirma Jan. Ou seja, mudaram de cidade, de estúdio de gravação e de editora.

Parastrophics é o primeiro álbum do duo para a editora Monkeytown dos também alemães Modeselektor e isso pressente-se no trabalho desenvolvido, com uma sonoridade mais lúdica e contaminada do que no passado mais recente. "Se existe qualquer coisa que define uma grande diferença em relação à altura em que começamos é que hoje existe uma ideia de impureza sonora que é aceite sem problemas. Já quase ninguém vai para uma sala de espectáculos ou para um clube com a ideia de ir ouvir apenas este ou aquele género de música. Há mais receptividade para a diversidade estilística, o que é óptimo, porque nos revemos nisso. Gostamos de levar a promiscuidade ao extremo." Ou seja, o novo disco aponta para a electrónica, sem problema, mas fá-lo de uma maneira diversa e muito abrangente.

A sonoridade dos Mouse On Mars concilia tecno, electrónica borbulhante, ambientalismo e uma grande quantidade de sons produzidos com sintetizadores analógicos e, por vezes, também com recurso a instrumentos como o baixo, guitarra e bateria. "Sempre gostámos de diferentes ideias de música electrónica e no presente não é diferente. Por exemplo, existem coisas do tecno das quais gostamos e outras que não. No fim de contas aproveitamos o que gostamos mesmo. E isso é verdade para todos os géneros."

O duo impôs-se na década de 1990, através das electrónicas mais abstractas, em discos exemplares de modelação rítmica e harmónica, como Vulvaland (1994), Iaora Tahiti (1995), Autoditacker (1997) ou Niun Niggung (2000). Nos anos 2000 a sua popularidade terá decaído um pouco, embora o seu sentido promíscuo se tenha feito sentir em álbuns de pop electrónica como Radical Connector (2004), nas aproximações densas e abrasivas próximas do ruído em Varcharz (2006) ou na colaboração com o iconoclasta cantor inglês Mark E. Smith (The Fall) no projecto Von Sudenfed, onde mostravam a devoção comum pelas sonoridades krautrock alemãs (Neu! ou Can) dos anos 1970.

No mais recente disco navegam por uma sonoridade mais funky e envolvente, sem perderem o sentido de humor e a faculdade de inventar no domínio das colagens. Dir-se-ia que recuperaram alguma da inocência dos primórdios, com um som mais luminoso, sem deixarem de lado a complexidade rítmica. "Cada disco tem a sua história e neste sentimos que estávamos a voltar às origens, talvez porque existiu um hiato temporal de seis anos em relação ao anterior, coisa que nunca tinha acontecido. Fizemos as canções de forma relaxada, fomo-las tocando ao vivo e aperfeiçoando-as. Depois o facto de estarmos numa editora como a Monkeytown, que se dedica à música de dança, soltou-nos ainda mais e acabámos por criar alguns temas mais ritmados do que é habitual em nós."

A verdade é que, vinte anos depois, continua a ser impossível situar o duo alemão em qualquer das correntes predominantes das electrónicas da actualidade, seja das mais conotadas com a audição caseira ou com a experiência do ritmo. Todos os seus trabalhos apresentam uma diversidade de influências que acabam por resultar em aproximações de sensibilidade pop ou em algo mais difícil de descrever. Mas é precisamente essa indeterminação que os torna especiais.

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