O fim do ambientalismo?

A reputação da Quercus está irremediavelmente afectada, e só o amor e a convicção desta causa maior podem ser a tábua de salvação.

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Ainda mal tinha feito dez anos e já me punha em bicos dos pés à noite à janela a olhar para a Lua a olhar para a Terra a perguntar-me: e agora, quem vai salvar o planeta?

À data, nos anos 80, começavam a soar os primeiros gritos de alarme, as primeiras chamadas de atenção para a conservação das espécies e a importância da preservação dos ecossistemas. 

Cegos, imersos na abundância e na tecnologia, esquecêramo-nos como parte intrínseca da natureza, achando-nos superiores e capazes de viver independentemente da natureza que nos rodeia, habita e enche os pulmões de ar a cada inspiração. 

De repente voltávamos a fazer parte de um ecossistema, desta vez global, ecossistema esse em risco, fruto da destruição ininterrupta das mais belas jóias na coroa de um planeta: as florestas tropicais, a grande barreira de coral, os oceanos. 

Fruto destes ecos, destes pedidos de socorro, um pouco por todo o lado começaram a surgir as associações ambientalistas. Foi assim que em Portugal, a meio dos anos 80, foi fundada a Quercus.

Quercus, na taxonomia, é o género dentro do qual encontramos todas as 600 espécies de carvalho. O carvalho, como árvore característica da floresta portuguesa, passou assim a símbolo nacional para a urgência da conservação da natureza, a começar pela própria floresta em Portugal onde cada carvalho abatido dava lugar a centenas de eucaliptos, árvores de crescimento rápido, sequiosas de água e responsáveis pelo esgotamento dos lençóis freáticos e erosão dos solos, sem esquecer os incêndios do ano passado. E tudo em favor das indústrias do papel e das madeiras, em favor do lucro fácil e da avidez sem fim de uma mão cheia de empresários, a qualquer preço, custe o que custar, incluindo vidas humanas, aldeias, cidades, o planeta inteiro.

A Quercus é hoje a maior associação ambientalista do país. Como farol de esperança, a Quercus tem a responsabilidade de ser maior que os homens, como se cada um dos seus membros fosse um escolhido de Gaia, a mãe-Terra, para guiar homens e mulheres em direcção a um futuro sustentável.

Ou assim quero acreditar na minha inocência, como se mal tivesse feito dez anos e me virasse para quem me diz querer salvar o planeta. Estendo os braços, quero estender os braços para a segurança de um colo, mas as notícias dizem o contrário, ou não estivesse a Quercus agora sob suspeita de querer vender terrenos em Idanha-a-Nova a uma herdade que gere uma zona de caça, terrenos esses em pleno parque natural e previamente adquiridos pela Quercus com fundos comunitários.

Ao que consta, a Quercus está em sérias dificuldades financeiras, fruto da diminuição de doações de particulares ao longo dos anos, sendo a venda destes terrenos um modo de equilibrar um orçamento debilitado. Consequentemente, os membros desta associação exigem a retirada da direcção, e enquanto a Quercus se envolve em lutas fratricidas, já ninguém se lembra da natureza, das árvores, dos rios e lagos ou sequer do carvalho.

À mulher de César não basta ser honesta, já dizia o ditado. O mesmo deve aplicar-se às associações ambientalistas, não apenas defensoras na natureza, mas do ser humano, do planeta, do futuro. Estaremos a testemunhar o fim do ambientalismo? Ironia do destino, um fim ditado pelo dinheiro, pelo lucro e a ganância que estiveram na origem dos movimentos ambientalistas? Compete à justiça ajuizar, perdoem-me o pleonasmo. 

Entretanto, uma coisa é certa: a reputação da Quercus está irremediavelmente afectada, e só o amor e a convicção desta causa maior podem ser a tábua de salvação.

Ficamos a aguardar os próximos episódios.

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