O valor da palavra e da honra

Se os juízes tiverem de pagar um preço social para defenderem o que lhes parece justo, vão pagá-lo todo de uma vez.

“Palavra dada, palavra honrada”: quantas vezes é que o primeiro-ministro disse isto? O problema é quando estes sound bites se viram contra quem os diz. Quem se dispõe a caucionar o compromisso da palavra com a sua honra tem de estar certo de poder cumprir. De outra maneira, se falhar na palavra, perde também a honra. Por isso, a revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) vai ser um teste ao valor da honra de quem deu a palavra aos juízes.

Este processo legislativo é um embaraço para as instituições do Estado. A ministra da Justiça fez tudo mal. Criou uma comissão para preparar o projecto, não gostou do resultado, atirou o trabalho para o lixo e apresentou uma proposta incompleta, que sabia ser inaceitável. Depois, quando sentiu a pressão, desculpou-se, dizendo que as questões da carreira estavam a ser ultimadas e que estava disponível para negociar – “a conversar é que as pessoas se entendem”, chegou a dizer o primeiro-ministro. Pois bem, conversa houve, mas os juízes foram enganados. Não há maneira mais simpática de dizer. A ministra deu a entender que ia discutir tudo, ouviu propostas, ensaiou contrapropostas, disse que tinha de falar com as Finanças, só que, no último minuto, obtido o acordo que lhe interessava, voltou atrás e recusou-se continuar a negociação. E, como se isso não bastasse, ficou oito meses à espera do momento da mudança na direcção da associação dos juízes para aprovar a proposta de lei em Conselho de Ministros e sacudir o problema para o Parlamento.

Em 19 de Setembro do ano passado, diante da convocação de uma greve, os deputados Filipe Neto Brandão e Fernando Anastácio, do grupo parlamentar do PS, assumiram perante os juízes o compromisso de reabrir a discussão sobre as questões da carreira que a ministra se tinha recusado a finalizar. É público e está nos jornais. É impossível que isso tenha sido feito sem o aval do Governo. No entanto, há quem diga à boca pequena, mesmo dentro do PS, que não passou de uma manobra para os juízes desconvocarem a greve. Não se sabe. Ninguém de boa-fé pode acreditar que um compromisso político assumido no parlamento, em reuniões e por escrito, não seja para levar a sério.

Já aprovada na generalidade, a proposta de lei vai agora ser discutida na especialidade. O EMJ não é uma lei qualquer, nem os juízes são um grupo profissional qualquer. Não há soberania intermitente. Se os juízes são o Estado, quando se trata de cumprir as suas funções e respeitar os seus deveres, também o são quando se trata de serem respeitados na sua dignidade e nos seus direitos. Qualquer pessoa sabe que ser juiz 40 anos não é o mesmo que ser deputado ou governante quatro anos e sair da política para bons empregos. Aquilo que os juízes pedem é razoável: ou se chega a um acordo global, baseado num princípio de mútua responsabilidade, ou, se é para aprovar meio estatuto, não há acordo nenhum. Isto está claro desde o início.

Depois de sete anos de avanços e recuos, com custos de imagem tão penosos, não é razoável pedir aos juízes que aceitem um estatuto incompleto. É possível que alguns gostassem de sujeitar os juízes à indignidade de andarem mais dez anos atrás dos políticos a reivindicar direitos. Numa altura em que a Justiça vai ser chamada a grandes responsabilidades, essa fragilização seria incompreensível. Nesta fase, o impasse só tem uma saída: é o PS respeitar a palavra dada. Se voltar atrás na palavra, será responsável por um processo de reacção e contestação, que há-de durar até ao último dia de funções do Governo, e pelos graves custos sociais e de imagem num período tão sensível.

Na semana passada, por coincidência, apareceram notícias nos jornais sobre os alegados privilégios dos juízes. Na véspera das negociações com os professores e com os enfermeiros tinha acontecido o mesmo. É aquela maneira de fazer política que já se sabe. Mas é inútil. Se o PS quer romper o compromisso, que assuma esse ónus por inteiro. Não precisa de se desculpar com a opinião pública. Os juízes sabem que as suas causas profissionais nunca são populares. Se tiverem de pagar um preço social para defenderem o que lhes parece justo, vão pagá-lo todo de uma vez. A questão agora é esta: ou a palavra dada é honrada, ou a palavra dada é tirada e a honra perdida.

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