Fogos: Governo vai proibir venda durante dez anos de casas reconstruídas

Governo vai alterar lei para que os proprietários das casas destruídas nos incêndios de Outubro e reconstruídas com dinheiros públicos assinem um compromisso que os proíbe de vendê-las durante dez anos. Em Pedrógão Grande, a situação é diferente.

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Sérgio Azenha

Há uma interpretação diferente dentro da esfera pública que vai levar a que sejam criadas situações díspares para os proprietários de casas que foram ou estão a ser reconstruídas em Pedrógão Grande, com dinheiro de donativos, e nos concelhos afectados pelos incêndios de 15 de Outubro, com dinheiro do Estado. Uns ficarão proibidos de vender a casa por cinco anos, outros por dez anos e outros podem mesmo vender no dia a seguir.

O Governo prepara-se para alterar o Programa de Apoio à Reconstrução de Habitação Permanente (PARHP), através da aprovação de um decreto-lei que criará a obrigatoriedade de todos os proprietários que viram as suas casas de habitação permanente totalmente reconstruídas por dinheiros públicos assinarem um compromisso de não-venda da habitação durante um período de dez anos, garante a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR-C), Ana Abrunhosa, em respostas ao PÚBLICO. "A legislação vai ser alterada para os incêndios de Outubro", cujas reconstruções foram pagas com dinheiro exclusivamente público.

Esta será a única condição que constará no tal compromisso a ser assinado aquando da entrega das casas, que são a primeira morada de um indivíduo ou agregado familiar, e que não conterá outra obrigação ou impedimento à utilização futura. "O facto de apoiarmos uma família na reconstrução da sua casa não a obriga a ficar a viver lá, a pessoa pode emigrar, por exemplo; só não pode vender a casa nos próximos dez anos", respondeu a responsável pela CCDR-C, que se viu a braços, no último ano, com a tarefa de coordenar a recuperação dos territórios devastados pelos incêndios.

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Ana Abrunhosa é a responsável pela reconstrução das casas ardidas nos grandes incêndios de 2017 Paulo Pimenta

Esta decisão obrigará a uma alteração do PARHP, que se tornou num apoio permanente e é accionado para outras situações em que seja necessário o apoio do Estado, como já aconteceu em Monchique. E vigorará tanto para as casas que ainda faltam entregar aos proprietários, como para aquelas que já foram reconstruídas.

Este compromisso será válido apenas para as casas que foram construídas ao abrigo do programa público (estão identificadas 361 de construção total e mais 431 de construção parcial), o que exclui as habitações afectadas pelos incêndios de Pedrógão Grande, reconstruídas pelo Fundo Revita.

Isto porque a comissão de gestão do Fundo Revita tem uma interpretação diferente daquela veiculada pela CCDR-C e considera que não tem condições para impor uma restrição ao uso das casas afectadas pelo incêndio de Junho que construiu. No total, foram reconstruídas 261 naquela zona, 100 pelo Revita. "Em qualquer dos casos, o padrão de utilização das habitações será o definido pelos familiares sobrevivos que possam dispor sobre os bens, sendo de realçar que o Fundo Revita gere donativos, considerando-se por isso não existir fundamento para a imposição de limitações ao uso e destino dos imóveis recuperados", respondeu ao PÚBLICO o conselho de gestão do fundo gerido pelo Estado. O PÚBLICO tinha questionado sobre os casos de habitações construídas para herdeiros ao abrigo do direito sucessório, mas no que diz respeito à existência do compromisso, a regra é geral, para herdeiros e para os proprietários sobreviventes.

A decisão da direcção do Revita manteve-se apesar de o assunto ter chegado a ser posto em cima da mesa pela comissão técnica, que integra um representante das câmaras e a CCDR-C. Este é, aliás, um assunto falado na zona de Pedrógão, com algumas pessoas a recearem que as habitações reconstruídas sirvam rapidamente para fazer negócio imobiliário – uma vez que continua a haver interesse de estrangeiros na compra de casas na zona – ou para turismo.

Além deste posicionamento do Revita, há mais diferenças entre os casos de Junho e Outubro. Na zona de Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, andaram no terreno seis entidades, públicas e privadas, a financiar e a fazer as obras de reconstrução das 261 casas de primeira habitação que foram identificadas, e cada uma decidirá se quer ou não pedir o compromisso.

A Cáritas Diocesana de Coimbra, responsável pela construção de 35 casas, foi criando um dossier com documentação para cada uma, que inclui um acordo com o proprietário para que a instituição possa fazer as obras. E desse acordo decorre que para o processo ficar concluído, os proprietários têm de assinar um memorando em que se comprometem a não vender as casas no imediato: “Não podem vender as casas durante cinco anos”, explica o padre Luís Costa, responsável por esta entidade em Coimbra e ele próprio um defensor desta medida. A Cáritas é flexível e dará autorização à venda durante este período se houver uma justificação do proprietário para a necessidade da sua venda. Resta saber se esta possibilidade de excepção fará escola e constará na alteração que o Governo se prepara para fazer ao PARHP.

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