Direita critica o “caos” nos serviços públicos, a esquerda atira-lhe as culpas

Bloco, PCP e PEV exigem ao Governo mais investimento nos serviços públicos mas ajudaram o PS a defender-se dos ataques de PSD e CDS.

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Se o país está mal, se os serviços públicos estão mergulhados no caos como o PSD os descreve, a culpa é do estado em que a direita os deixou, depois de quatro anos de governação PSD/CDS. Esta foi a base de argumentação da esquerda para rebater as dificuldades que subsistem diariamente nos serviços públicos durante o debate desta quinta-feira no Parlamento, agendado por iniciativa do PSD, que quis discutir a “qualidade da resposta dos serviços públicos”.

Os argumentos de ambos os lados não entusiasmaram os deputados nesta véspera de feriado: tanto no PSD como no PS as bancadas estiveram pela metade (às vezes mesmo por um terço), e só perto do meio-dia, com a campainha a chamar para as votações, se compuseram – e mesmo assim faltaram 24.

O deputado social-democrata Pedro do Ó Ramos fez um retrato exaustivo de problemas registados nos transportes públicos, saúde, educação, segurança interna, justiça, agricultura e fundos comunitários. Falou das sucessivas greves e do aumento das reclamações, e acusou o Governo de ser o “campeão do desinvestimento público e da consequente degradação” dos serviços.

Todos são responsáveis

“Os exemplos são extensíveis a todas as áreas da governação, a falta de qualidade é sentida por todos. É o próprio Estado que perde dignidade e deixa de ser confiável”, afirmou o deputado, atribuindo as culpas pelo “caos” à “obsessão” do primeiro-ministro e do ministro das Finanças por atrasarem soluções. “A degradação dos serviços públicos é uma das fragilidades da coligação”, vincou.

A mesma linha de argumentação foi seguida por várias vozes da bancada do CDS. Cecília Meireles afirmou que o PS “inaugurou a política da narrativa com os especialistas na matéria – o Bloco e o PCP- em que não importa que esteja tudo mal desde que se responsabilizem os outros. Ora, a deputada centrista chamou todos à frente. “Todos os que apoiam o Governo não responsáveis; não vale a pena virem dizer que não.”

Porque, disse a deputada, PCP e BE recorrem à táctica de reclamar os louros pelas medidas mas não pelas suas consequências. E exemplificou: “Dizem que têm todo o mérito pelas 35 horas mas depois se não há ninguém para atender o doente isso já não e com vocês…” “Estão sempre tão indignados com um passado de pré-bancarrota que provocaram, e não têm nada a dizer sobre a actual degradação dos serviços públicos? Têm responsabilidade na degradação cada vez que votam”, apontou Cecília Meireles. “Não há um secretário de Estado, um ministro, um primeiro-ministro que exista sem o apoio do PCP e do Bloco!”

Pedro do Ó Ramos voltaria ao tema da responsabilidade global da esquerda para ironizar sobre as declarações de António Costa acerca das divergências entre PS, BE e PCP que dão para namorar mas "não chegam para casar". "Querem enganar os portugueses, porque senhores casaram, num casamento original com muitos nubentes, numa cerimónia envergonhada", disse o deputado, referindo-se à assinatura dos acordos em separado, numa sala do Parlamento, sem direito à presença da comunicação social. E até renovaram os votos por três vezes, acrescentou, enumerando as datas da aprovação final global dos orçamentos de cada um dos anos que já leva a legislatura.

PCP desafia PS

As críticas de deficiente funcionamento dos serviços públicos foram, em parte, subscritas pelos partidos à esquerda do PS. Bloco, PCP e PEV admitiram que o cenário não é o que gostariam, mas trataram de concordar também na atribuição de culpas à direita pelo estado de pobreza em que PSD e CDS deixaram o país e as respectivas consequências no funcionamento dos serviços públicos. Só os socialistas enalteceram as medidas do Governo.

O comunista João Dias socorreu-se da ideia geral das jornadas parlamentares que a sua bancada realizou esta semana em Santarém para apontar a necessidade de o país seguir uma “política alternativa” à do PS que pressupõe um muito maior investimento público, cujo financiamento deve ser conseguido contrariando os limites que Bruxelas impõe para o défice e a dívida. O deputado do PCP deixou um repto aos socialistas: “Não é só tempo de deixar de fazer como o PSD [que promoveu ‘deliberadamente a degradação dos serviços’]; é saber se o PS está disposto a apostar nos serviços públicos e nos seus trabalhadores (…) É tempo, sim, de reforçar o SNS, a mobilidade, a educação, a justiça. É tempo de alterar a política.”

Demagogias e dívidas

Puxando da habitual ironia comunista, João Dias afirmou que “se a demagogia pagasse imposto, depois deste debate a dívida de Portugal estaria resolvida”. O deputado acusou o PSD de um “truque palaciano” e afirmou que os sociais-democratas arranjaram maneira de identificarem o que “chamavam de gorduras do Estado para poderem engordar o privado”. “Atacaram tudo e todos e têm a lata de vir aqui defender os trabalhadores?! Os serviços públicos dispensam bem o caminho para onde o PSD os quer levar”, afirmou a comunista Ana Mesquita depois de dizer que a direito não tem autoridade para falar de qualidade dos serviços.

O bloquista Moisés Ferreira equiparou o discurso do PSD ao programa humorístico de rádio Mixórdia de Temáticas e disse que os argumentos são o “exemplo da degradação” do partido que “não disse nada de nada e branqueou a acção do PSD no passado”, no Executivo de Passos Coelho. O deputado do BE Heitor de Sousa haveria de reforçar estas culpas dos sociais-democratas. “Não há comboios hoje porque vocês não decidiram a compra a tempo propositadamente”, porque “têm alergia aos serviços públicos”.

O ecologista José Luís Ferreira apontou que a resposta dos serviços públicos "está longe do exigível", mas também por culpa do Governo anterior, que “tinha como política os cortes cegos em tudo o que mexesse”. A ideia era "enfraquecer o SNS para o entregar a provados, como noutras áreas. Já vimos este filme várias vezes."

PSD "do lado errado da noite"

O socialista António Sales haveria de questionar-se se a iniciativa do PSD advém de um “rebate de consciência”. E classificou como “estranha e bizarra a intervenção” do partido. Talvez venha “carpir mágoas pelo que fez entre 2011 e 2015”, atirou. O deputado João Paulo Correia disse que o PSD “fez um apagão das suas responsabilidades” enquanto desfiou uma série de medidas do anterior Governo, da redução de trabalhadores ao encerramento de tribunais, escolas e hospitais, passando pelas privatizações. “Se podem ir ao púlpito exigir melhores políticas de transporte é porque pelo menos estão nas mãos do Estado.”

A socialista Susana Amador citou Jorge Palma para dizer que o PSD “está do lado errado da noite” pela análise que faz da realidade e acusou a bancada do lado de “manifesta falta de pudor e até de vergonha”. Porque é o PS que está a “cumprir diariamente uma tarefa de reconstituição dos serviços públicos na saúde, educação, administração pública”.

"Mixordeiros" é que não...

No encerramento, o social-democrata Cristóvão Simão Ribeiro criticou o Bloco por designar de “mixórdia de temáticas” a descrição do PSD sobre os problemas nos serviços públicos e acusou Moisés Ferreira de “brincar com as dificuldades que os portugueses enfrentam todos os dias”. “É chamar mixordeiros aos portugueses e isso não posso admitir”, apontou, para apontar: “Mixórdia é a solução governativa por vocês inventada, onde cabem leninistas, comunistas, estalinistas, socialistas e mais uns quantos ecologistas que vendem contos de fadas aos portugueses.”

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