Devaneio algarvio

Por este banho quente em Monte Gordo, com a barriga cheia de iguarias inesquecíveis, já não vou poder tomar banho nas águas frias da minha terra. E até voltar ao Algarve nunca mais posso almoçar como almocei.

Em Monte Gordo o mar de Outubro está tão quente que quase não se dá por ele. Entra-se nele como em nossa casa, passo a passo, até a água tapar-nos a cabeça, fazendo-nos uma festinha molhada.

Deitamo-nos no mar de Monte Gordo como numa cama, sabendo que há um colchão de água salgada que nos vai apoiar, a mesma que nos dá o sal de Castro Marim, que é o melhor do mundo.

Nessa salina há uma banheira de água saturada de sal, feita de lama, onde nos podemos deitar em cima da água, levantados pelo sal. Bebe-se um copo de vinho gelado e seguem-se os pernilongos a pisar como modelos nas passerelles dos tanques.

É difícil lembrarmo-nos que estamos no planeta Terra. Ou será só assim, mergulhado tanto no ar quente como na água, que podemos dizer que estamos no planeta Terra?

Vai-se daí almoçar ao restaurante preferido em todo o universo e, enquanto se comem maravilhas impensáveis, começa-se a ouvir harpas a enaltecer cada suspiro de prazer.

Por um instante o mundo parece combinado para suprimir tudo o que é desagradável e tudo o que é meramente agradável para abrir-nos o caminho ao sublime.

Não estou de férias, estou de fugida. Um banho de fugida, que não deveríamos ter tomado, que nos vai estragar a semana, sabe pela vida porque é com a própria vida que se paga.

Por este banho quente em Monte Gordo, com a barriga cheia de iguarias inesquecíveis, já não vou poder tomar banho nas águas frias da minha terra. E até voltar ao Algarve nunca mais posso almoçar como almocei.

Foi um sacrifício que eu fiz.

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