Vêm aí dois supertelescópios em que Portugal participa

Trata-se da chamada “Big Science”, projectos científicos que requerem a colaboração de vários países e custam, cada um, mais de mil milhões de euros.

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Ilustração artística do futuro telescópio ELT, no deserto do Atacama, Chile L. Calçada/ESO

O Chile é a casa de grandes telescópios internacionais – e, por isso, reclama o título de capital mundial da astronomia. É lá que estão os telescópios do Observatório Europeu do Sul (ESO), organização europeia com 15 países-membros, incluindo Portugal. É lá que está um grande radiotelescópio chamado ALMA, de mil milhões de euros, construído pelos Estados Unidos, Canadá, Europa (via ESO), Japão e Taiwan. E é lá que vai estar também o próximo grande telescópio do ESO e cujo nome diz bem da ambição do projecto – o Extremely Large Telescope (ELT), ou Telescópio Extremamente Grande, projecto que está em construção e em que Portugal participa. Tal como irá participar, noutras paragens distantes do Chile, num supertelescópio de radioastronomia, o SKA, em fase final de concepção, que terá as suas antenas espalhadas literalmente por dois continentes, na Oceânia e África.

O ELT e o SKA são telescópios de natureza diferente, e já lá iremos. Agora fiquemos um pouco pelo Chile e por que é que o deserto de Atacama é um local de eleição a nível mundial para a astronomia. Por exemplo, é lá que o ESO, desde a sua criação em 1962, constrói os seus telescópios. É dos locais mais secos da Terra, porque as nuvens ficam por cima do Pacífico, a oeste dos Andes, e não passam esta barreira de montanhas. A corrente de Humboldt, fria ao longo da costa do Chile e do Peru, também condensa a humidade que vem do Pacífico. Por isso, as nuvens, a chuva e a humidade relativa na atmosfera (menos de 10%), que geralmente perturba as observações astronómicas, ficam no Pacífico e não chegam ao Atacama.

É precisamente no deserto do Atacama, no cimo do monte Armazones, que ficará o telescópio ELT. Vai custar também à volta de mil milhões de euros. A construção começou em Julho de 2014, para albergar aí uma única cúpula onde ficará alojado o único espelho principal do telescópio: terá algo como 40 metros de diâmetro. Nunca se construiu nada assim, em terra ou no espaço, e nenhum outro telescópio se lhe irá comparar em termos de resolução. Irá criar imagens 16 vezes mais nítidas do que o telescópio Hubble, que está no espaço, acima de qualquer perturbação causada pela atmosfera nas observações astronómicas.

Espera-se que o ELT receba a primeira luz em 2024. A nível mundial, passará a ser maior telescópio óptico – ou seja, observará a luz visível, a mesma que os olhos humanos vêem. Tal como o seu antecessor, o Very Large Telescope (VLT), situado no topo do monte Paranal, a 20 quilómetros de distância do Armazones, o ELT observará, além da luz visível, a radiação infravermelha.

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O telescópio VLT, com as suas quatro cúpulas no cimo do monte Paranal, no deserto do Atacama, Chile John Colosimo/ESO

Igualmente construído pelo ESO, o VLT tem quatro espelhos principais, albergados em quatro cúpulas, que podem funcionar em conjunto como um único telescópio de 16 metros de diâmetro. Por enquanto, é o maior telescópio óptico e de infravermelhos do mundo e recebeu a sua primeira luz há 20 anos. Em 2024, será suplantado pelos 40 metros de diâmetro do espelho principal do ELT.

Portugal assumiu, em 2013, o compromisso de participar na construção do ELT. A quota do país em 2018 para o ESO foi de cerca de 1,8 milhões de euros, adianta Paulo Garcia, delegado científico português no ESO e investigador do Centro de Astrofísica e Gravitação (Centra), explicando ainda que a contribuição adicional do país para o ELT será, no total, de 5,1 milhões de euros. E, além de empresas como Critical Software e o Instituto de Soldadura e Qualidade, que têm contratos para o ELT, há centros de investigação que desenvolvem instrumentos científicos.

Adesão “iminente”

E da astronomia óptica passamos para a radioastronomia. Em vez da luz visível aos olhos humanos, é a luz que chega em forma de ondas de rádio que os radiotelescópios captam. É o caso do SKA – ou Square Kilometre Array –, que será o primeiro telescópio transcontinental. Terá antenas espalhadas na Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e outros países africanos e deverá custar 1680 milhões de euros.

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Ilustração artística de antenas parabólicas do futuro telescópio SKA, em África DR

Deste supertelescópio Portugal vai fazer parte como um dos membros fundadores. Domingos Barbosa, investigador do Instituto de Telecomunicações em Aveiro e o delegado científico nacional do SKA, diz que a adesão de Portugal à organização SKA, através de um tratado internacional, “está iminente”. “A decisão está tomada, agora estamos a ultimar os acordos de cooperação e os termos legais com o Ministério dos Negócios Estrangeiros”, informa o ministro da Ciência, Manuel Heitor.

“É a primeira vez que Portugal entra num tratado de uma nova organização científica enquanto membro fundador”, frisa Domingos Barbosa, também coordenador do Engage SKA, um consórcio de instituições académicas e empresas portuguesas envolvidas no SKA que teve um financiamento de 3,8 milhões de euros. “Os membros fundadores têm alguma benesse na escolha do tipo ou enfoque da sua participação no projecto.” Falta ainda acordar o valor da participação portuguesa na organização SKA.

Através do Engage SKA, a equipa de Domingos Barbosa liderou o desenvolvimento e testou o “operador do telescópio”, o seu cérebro, uma vez que é a plataforma que vai operar as antenas, efectuar as observações astronómicas, monitorizar os componentes do SKA e pré-processar os dados.

A partir de 2020, o SKA começa a ser construído. Na primeira fase, até 2025, serão instaladas 197 antenas parabólicas na África do Sul e cerca de 130 mil antenas do tipo dipolo (parecidas com as antenas de televisão) na Austrália. “A primeira ciência deverá surgir em 2022”, diz Domingos Barbosa.

Na segunda (e última) fase de construção haverá um total de mais de 2500 antenas parabólicas em África, expandindo-se para outros países (Moçambique, Namíbia, Botswana, Gana, Quénia, Madagáscar, ilhas Maurícias e Zâmbia), e cerca de meio milhão de antenas do tipo dipolo (parecidas com as antenas de televisão) na Austrália e Nova Zelândia. Nesta fase será ainda instalado em África um terceiro tipo de antenas, que está a ser testado no Alentejo, em Moura e Beja. Enquanto a primeira fase custará 680 milhões de euros, a segunda está estimada em 1000 milhões de euros.

Tudo estará ligado por fibra óptica. Unidas virtualmente como se fossem uma antena gigante com uma área de um quilómetro quadrado, estas antenas transcontinentais terão uma sensibilidade 50 vezes maior do que qualquer outro radiotelescópio. Se num planeta a 50 anos-luz de distância da Terra existisse um radar a emitir ondas de rádio, ou outro aparelho, como um televisor, o SKA seria capaz de as detectar. E o tráfego de dados gerado pelo SKA será cerca de cem vezes superior ao da Internet hoje.

Assim vão ser estes dois supertelescópios, num futuro próximo, a que Portugal está ligado.

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