Os bolseiros na “terra do nunca”

O cumprimento da lei não deve nem pode ser condicionado pelas opções discricionárias das instituições de ensino superior.

Como é sabido, a aplicação da norma transitória (art.º 23.º) do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado por apreciação parlamentar a 19 de julho de 2017 (Lei n.º 57/2017), tem decorrido de forma altamente problemática. Recorde-se que se trata de uma lei de 2016 cujos efeitos – abertura de concursos – teimam em não se fazer sentir. Recorde-se também que, desde então, muitos bolseiros viram cessar os seus contratos e, para a FCT, a renovação prevista na Lei n.º 24/2018, de 8 de junho, apenas ocorre desta data em diante, esvaziando de sentido a vontade de corrigir as consequências adversas decorrentes do enorme atraso verificado na implementação deste processo. Recorde-se ainda que a norma previa duas fases de abertura de concursos, a primeira com prazo de 31 de dezembro de 2017, a segunda, 31 de agosto de 2018. Da primeira, fez-se tábua rasa. A segunda aproxima-se rapidamente do término do seu prazo e, até ao momento, foram identificados para abertura de concurso 2026 bolseiros, mas apenas foram celebrados 71 contratos de trabalho.

A este cenário dantesco acrescenta-se ainda a situação dos bolseiros que continuam, até à data, na “terra do nunca”, designadamente, os bolseiros doutorados elegíveis pelo Decreto-Lei 57 cujas instituições de acolhimento não pretendem abrir os concursos a que estes têm direito. Pelo facto de terem sido financiados por um mínimo de três anos por fundos públicos e não, direta ou indiretamente, pela FCT, ou ainda por serem financiados pela FCT apenas em parte desse período, cumprindo o tempo remanescente com bolsas financiadas por outros fundos públicos, as instituições alegam que, não existindo financiamento previsto na lei, não estão em condições de abrir os concursos. Pelo conhecimento que temos até ao momento, estimamos a existência de várias dezenas de casos em todo o país. Efetivamente, muitos destes bolseiros só agora se aperceberam que as instituições em que desempenham funções de investigação poderão incumprir a lei caso não abram os concursos a que têm direito até à data limite de 31 de agosto de 2018.

Ora o cumprimento da lei não deve nem pode ser condicionado pelas opções discricionárias das instituições de ensino superior. É necessário, isso sim, que o Governo assegure o reforço orçamental adequado, através da FCT ou do OE, para que se processe a imediata abertura dos concursos para todos os bolseiros elegíveis. Efetivamente, desde julho de 2016, com a assinatura do contrato entre o Governo e as universidades públicas portuguesas no âmbito do compromisso com a ciência e o conhecimento, existem garantias de que o impacto financeiro decorrente de alterações legislativas será devidamente acautelado.

Dificilmente se compreende, e ainda menos se pode aceitar, o recurso constante à ideia de que não há dinheiro para a ciência e para o ensino superior, quando é sabido que o dinheiro dos contribuintes tem sido uma formidável fonte de receitas para salvar bancos falidos. Inaceitável é também a exclusão de bolseiros de forma administrativa pelas instituições de ensino superior que, desta forma, continuam a manter-se à margem de um combate sério e justo à precariedade laboral que a sociedade portuguesa exige. Ao Governo, por sua vez, parece faltar a firmeza, a determinação e o empenho que as circunstâncias requerem.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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