O elevador do Ministério da Justiça desceu à subcave da decência

Os juízes são pessoas sérias e não gostam que o Governo lhes chame mentirosos.

Há um mês, os juízes alertaram o Ministério da Justiça, MJ, para a existência de elevadores nos tribunais sem inspecção e sugeriram que se aproveitassem as férias para corrigir as anomalias. Num acto de cidadania responsável, divulgaram também um vídeo, alertando os milhares de pessoas que diariamente entram nos tribunais.

O que fez o Governo? O habitual: não gostou da mensagem e quis matar o mensageiro. Para o Governo, a notícia relevante não era o Estado violar a lei que impõe aos outros, nem o risco para as pessoas. A notícia era (pasme-se) que os juízes só tinham denunciado a situação porque as suas reivindicações de carreira não foram satisfeitas. O MJ não tinha nada que ver com isso; a culpa era das empresas de manutenção e dos secretários judiciais. E, como se tanta mistificação não bastasse, eis que o director-geral da Administração da Justiça (AJ) ultrapassou todos os limites da decência numa entrevista a um jornal, dizendo que os juízes faltaram à verdade — repetiu isso cinco vezes!

Vamos então ver onde está a verdade.

Em 2007 (quando o actual director-geral da AJ era director de serviços de Administração Judicial), os juízes divulgaram um relatório exaustivo com o levantamento dos problemas de instalações e segurança nos tribunais. É essa análise que está agora a ser actualizada, para verificar se o MJ fez o que lhe competia nestes dez anos. Começou pelos elevadores, mas há muito mais para ver. Dizer que uma iniciativa, que vem de 2007, tem que ver com a discussão do Estatuto em 2018, é delirante.

O director-geral da AJ diz que os factos divulgados não são verdadeiros. Está enganado. No dia 11 de Janeiro estive no tribunal da Maia e vi um elevador com um papel colado na porta a dizer “fora de serviço”, em plena utilização. Ainda na semana passada estive no tribunal de Almada e vi elevadores em funcionamento com inspecções expiradas em 2015 e 2017 (e passou na televisão). Tenho dezenas de fotografias de dísticos de elevadores que, à data do vídeo, funcionavam sem inspecção, nos tribunais de Cascais, Coimbra, Cantanhede, Figueiró dos Vinhos, Fundão, Guarda, Lisboa, Loures, Ourique e Ponta Delgada. É preciso ter muito atrevimento para desmentir aquilo que está à vista de todas as pessoas que entram nos tribunais.

O director-geral da AJ diz também que é alarmismo. Há problemas, mas não têm muita importância. É mais ou menos o mesmo que um carro chumbar na inspecção por falta do colete reflector. Ninguém disse que os elevadores vão cair amanhã. O que se disse é que muitos não têm inspecção em dia e que isso é ilegal e perigoso. E não é? Não morreu em Outubro de 2014 um homem que caiu no poço de um elevador em Lisboa? Em Março de 2015 não morreu um jovem de 15 anos entalado na porta de um elevador de um hotel no Porto? Não ficou gravemente ferida uma senhora que caiu no poço de um elevador no Hospital de Santa Maria em Abril de 2008? Se um dia acontecer uma coisa destas num tribunal, a “piada” do colete reflector perde logo a graça toda.

O que está a acontecer explica-se facilmente. Os juízes denunciaram legitimamente uma situação verdadeira e de interesse público — e vão continuar a fazê-lo. O Governo, em vez de agradecer o alerta e corrigir o problema, desdobrou-se em desculpas para disfarçar. Esta atitude não é nova. Já em 2006, a então directora-geral da AJ (hoje secretária de Estado adjunta e da Justiça), para estancar as notícias sobre assaltos, inundações, incêndios e outras situações anómalas, tinha proibido os funcionários judiciais de prestarem declarações à imprensa e de autorizarem a recolha de imagens dentro dos tribunais (Circular 22/2006). Basta varrer o problema para baixo do tapete e fica tudo bem.

Era muito interessante saber se a ministra da Justiça subscreve as acusações de falta de verdade feitas pelo director-geral da AJ. Os juízes são pessoas sérias e não gostam que o Governo lhes chame mentirosos. Esta gravíssima falta de respeito institucional é inédita. Não digo que o director-geral da AJ devia ser demitido, porque isso me é indiferente. Mas digo o que fazia, se fosse eu. Quando chegasse a Setembro, se houvesse um só tribunal com um elevador a funcionar fora de prazo, pedia desculpa e ia-me embora. Não fosse dar-se o caso de se ver melhor nessa altura quem foi afinal mentiroso.

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