Um plano para o sistema de ciência, tecnologia e ensino superior

E não há certamente nenhum sistema científico com que nos desejemos comparar que sobreviva oferecendo aos seus profissionais a gloriosa perspetiva de poder fazer uma carreira inteira sem fazer carreira nenhuma.

Fui estudante de Erasmus na Universidade de Amsterdão e fiquei para o mestrado: nesse período, fui técnica-júnior de laboratório, ou seja, exerci um trabalho – contrato com direitos. Depois do mestrado fiz o doutoramento e, a meio deste, participei no movimento que exigia que os doutorandos fossem reconhecidos como trabalhadores – e não como bolseiros. Na sequência desse processo, os doutorandos holandeses passaram a ser avaliados ao fim de dois anos, altura em que se decide se prosseguem ou não: são bolseiros durante os primeiros dois anos e têm contratos de trabalho nos dois anos seguintes. Isto foi em 1998.

Vinte anos volvidos, em Portugal, continua a não se reconhecerem técnicos, investigadores, comunicadores e gestores de ciência como trabalhadores: o sistema de ciência, tecnologia e ensino superior (SCTES) é alimentado à força de bolsas. No que respeita a trabalho e carreiras, Portugal não tem hoje um SCTES atrasado em relação ao dos Países Baixos em 1998: o perfil laboral atual do nosso SCTES nunca existiu sequer nos Países Baixos.

O decreto-lei de 2016 para o emprego científico (e lei de 2017) cria uma carreira à margem de duas já existentes (investigador e docente) e destina-se apenas a doutorados. Mesmo assim não os abrange a todos; mesmo assim não está a ser implementado nos prazos definidos; mesmo assim não há sanções para as instituições que não cumpram a lei.

Não há mais sector profissional nenhum em que tenha de se ser doutorado para se ser reconhecido como trabalhador. E não há certamente SCTES nenhum no mundo com que nos desejemos comparar – em termos de contribuições científicas, de impacto na economia e na inovação –, que sobreviva oferecendo aos seus profissionais a gloriosa perspetiva de poder fazer uma carreira inteira sem fazer carreira nenhuma.

A precariedade no SCTES não se combaterá sem aumentar a dotação orçamental e a sua taxa de execução. Mas não basta isso: o SCTES precisa de um plano legislativo de raiz que defina as carreiras e o perfil institucional e laboral das unidades de investigação científica – sejam públicas ou privadas – elegíveis para financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (provenha este de fundos nacionais ou europeus). Tal plano terá obrigatoriamente de passar por uma revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) que se tornaram uma força de bloqueio às (já de si insuficientes) iniciativas de combate à precariedade. 

A autora segue o novo Acordo Ortográfico

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