Polónia altera lei em votação inesperada

Penas de prisão para quem sugira cumplicidade polaca em crimes nazis foram retiradas da legislação, embora primeiro-ministro diga que sejam merecidas.

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Sobreviventes do Holocausto de visita a Auschwitz, num dia de homenagem aos mortos nos campos na Polónia. Auschwitz-Birkenau era um dois seis campos nazis na Polónia REUTERS/Kacper Pempel

Os deputados polacos aprovaram nesta quarta-feira uma alteração à lei do Holocausto que criminalizava o uso da expressão “campos polacos” e a sugestão de cumplicidade polaca nos crimes dos nazis.

A lei foi aprovada há quatro meses e provocou mal-estar nos Estados Unidos e Israel, que diziam que esta equivalia a uma forma de negacionismo.

A mudança causou surpresa e alguns deputados do partido no poder que são críticos da alteração queixavam-se de a votação ter sido agendada horas antes, numa sessão de emergência, e não ser claro o que iria ser votado.

O Governo do partido nacionalista PiS está a tentar melhorar as suas relações com os Estados Unidos no campo da segurança e também está a enfrentar mais críticas e escrutínio na União Europeia.

Ainda na terça-feira, Varsóvia foi ouvida pelos parceiros europeus por dúvidas dos eurodeputados sobre a reforma judicial, alvo de um procedimento da Comissão Europeia por enfraquecer o Estado de Direito. Foi o primeiro procedimento alguma vez aberto pela Comissão por esta razão.

A mudança na lei, admitiu o Governo, não foi feita por convicção. “Aqueles que dizem que a Polónia pode ser responsável pelos crimes da II Guerra Mundial merecem penas de prisão”, disse o primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, no Parlamento. “Mas estamos num contexto internacional e temos de levar isso em conta.”

Após a aprovação das mudanças, o chefe do Governo disse esperar melhorias na relação entre a Polónia e Israel, que respondeu a esta lei com uma lei sua, prometendo apoio monetário aos acusados.

De Jerusalém, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, expressou o seu agrado com “a revogação total das cláusulas que foram assinadas e causaram uma tempestade e consternação em Israel e na comunidade internacional”.

A Polónia está entre as grandes vítimas dos nazis e vê como particular injustiça que haja referências a campos de concentração ou extermínio polacos, já que os campos estavam na Polónia ocupada pelos nazis alemães, uma ocupação que é considerada uma das mais brutais da II Guerra e em que morreram 2,77 milhões de polacos (e ainda 2,9 milhões de judeus polacos); os polacos são o grupo com mais mortos logo a seguir aos judeus. 

O erro dos "campos" é repetido nos media e até por políticos; o antigo Presidente norte-americano Barack Obama, por exemplo, cometeu-o em 2012, pedindo depois desculpa. Mas a nova lei poderia impedir investigações sobre responsabilidade polaca em progroms, como foi o caso da investigação do historiador Jan Thomasz Gross (publicada em 2000), sobre um massacre em Jedwabne levado a cabo exclusivamente por polacos em 1941.

“O caso da Polónia é talvez o maior de todos os paradoxos do Holocausto”, escreveu o historiador Gunnar S. Paulsson. “Por um lado, dos mais de três milhões de judeus polacos que caíram nas mãos dos nazis, só sobreviveram cerca de 3%, o que põe a Polónia no fim da lista dos países europeus”, nota. “Por outro lado, na lista de países nos quais pessoas arriscaram a vida para ajudar judeus, a Polónia está no topo de todos.”

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