Se dúvidas houvesse, é Salvini quem manda

O novo ministro do Interior é o homem forte do Governo italiano. E promete causar muitas dores de cabeça em Bruxelas.

Salvini queria a pasta do Interior para expulsar estrangeiros
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Salvini queria a pasta do Interior para expulsar estrangeiros Tony Gentile/Reuters
No meio está o primeiro-ministro, mas são os vices quem o rodeiam que mandam
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No meio está o primeiro-ministro, mas são os vices quem o rodeiam que mandam Ettore Ferrari/EPA

Não lidera o partido mais votado nas eleições de 4 de Março mas não deixou, por isso, de tomar conta das negociações para a formação do Governo que tomou posse a 1 de Junho, depois de amuos, avanços e recuos. Desde a ida a votos que Matteo Salvini e a sua Liga (extrema-direita, obteve 17% e foi o mais votado na coligação de direita) mandam na direita italiana. Mais do que isso, mandam do país, como se comprovou nos últimos dias, com Salvini a ser voz de comando na polémica recusa de deixar aportar um navio com 629 pessoas resgatadas do Mediterrâneo a bordo.

O Movimento 5 Estrelas, com 32%, foi o vencedor claro das legislativas, mas o seu líder, Luigi Di Maio, queria chegar ao poder a qualquer custo – o custo foi Salvini, o novo ministro do Interior. Como nenhum podia ser primeiro-ministro, são ambos vice-presidentes do executivo liderado por Giuseppe Conte (jurista e professor de Direito sem qualquer experiência política), que apenas se ouviu já na segunda-feira à tarde para agradecer a Espanha o “gesto de solidariedade”, ao aceitar receber o navio.

Na prática, já se sabia que os verdadeiros chefes do novo Governo italiano seriam Di Maio e Salvini, mas este último não deixa para mais tarde o que pode começar já a fazer: mandar. Primeiro, conseguiu que o contrato de governação com o M5S espelhasse em grande parte o programa da Liga, com enfoque na criminalização de imigrantes e refugiados (há 500 mil pessoas em situação irregular em Itália, das 600 mil que ali chegaram nos últimos cinco anos, e a promessa é expulsá-las a todas) e medidas como a autorização de porte de arma aos cidadãos.

Agora, é Salvini a comprar a primeira grande polémica com a União Europeia ao impedir o desembarque dos requerentes de asilo a bordo do MS Aquarius, operado pela ONG franco-alemã SOS Méditerranée em cooperação com os Médios Sem Fronteiras. A estreia do Governo em choques de frente com Bruxelas, serão vários, já se sabia, e só ele se ouviu.

Salvini “só” queria a pasta do Interior, ele que prometeu uma Itália que “põe os italianos primeiro” e acabar com a insegurança que atribui à presença de indocumentados. Foi assim que sequestrou a campanha eleitoral, com a sua “invasão migratória” – na verdade, as novas chegadas diminuíram 85% este ano, face a 2017, graças a acordos de legalidade altamente duvidosa assinados entre o anterior governo e as autoridades líbias para que as pessoas não cheguem a deixar as costas da Líbia.

Populista e xenófobo, está a fazer do seu programa o programa do Governo. Desde a tomada que posse, quase todos os dias Salvini falou de imigrantes e refugiados. “Acabou o recreio, façam as malas e partam”, disse-lhes. “A Itália está sob ataque do Sul, não do Leste”, afirmou, ao explicar que iria pedir ajuda à NATO (que tem como tradicional centro de atenção a Rússia, a Leste) para defender o país. Até chegar o MS Aquarius e Salvini ter a oportunidade que esperava para mostrar que está a falar a sério.

“Levantar a voz compensa”, reagiu, ao saber da oferta do novo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, para receber o navio em Valência. Di Maio, que para além da vice-presidência ficou com a pasta do Desenvolvimento Económico e do Trabalho, ainda tentou salvar a face com um comunicado em que garante que “não há situações de emergência a bordo” do MS Aquarius e que, por se encontrarem ali grávidas e outras pessoas a necessitar de intervenção médica, o seu Governo “enviou de imediato lanchas com pessoal médico”.

Entretanto, realizou-se a primeira volta das eleições municipais e regionais este fim-de-semana, com a Liga a subir e o M5S a manter mais ou menos os resultados de 2013. Mais um motivo para Salvini sentir que pode e manda – com voz grossa, de preferência.

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